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Minas dá vinho: cresce número de vinícolas, mas carga tributária ainda é desafio

Número de produtores dobrou de 2020 para 2024; segundo Epamig, estimativa é que segmento gere cerca de R$ 120 milhões por ano

Por Shirley Pacelli
Publicado em 28 de abril de 2024 | 07:00
 
 
 
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Em 2007, Eduardo Nogueira Junior, de 59 anos, foi submetido a um procedimento cirúrgico. Após o sucesso da cirurgia, o médico acabou receitando uma taça de vinho ao dia para o engenheiro agrônomo, a fim de melhorar a saúde cardiovascular. “Eu não costumava tomar vinho. Era muito da cerveja… Comecei a estudar, pesquisar vinícolas e vinho”, lembra Eduardo. Este foi o início do que viria a ser hoje a Maria Maria, vinícola mineira, situada no Sul de Minas, que coleciona premiações internacionais. 

Eduardo é hoje um dos 100 produtores de vinhos finos no Estado. Segundo a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas (Epamig), eles eram apenas 50 em 2020. Com mais de 1 mil hectares de área plantada na técnica da dupla poda, e estimativa de aumentar mais 250 hectares por ano, MG terá capacidade de produzir 2,4 milhões de litros de vinho daqui cinco a sete anos. Hoje este mercado gera cerca de R$ 120 milhões anualmente. 

A evolução da vinicultura em terras mineiras tem esbarrado, especialmente, na alta tributação do vinho, um dos maiores entre os Estados do país. Com alíquota de 25%, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em Minas é o que mais pesa para os donos dos negócios. 

Além disso, o produto é tributado num sistema conhecido como Substituição Tributária, onde a arrecadação do imposto é concentrada num único contribuinte da cadeia de produção, neste caso, no início dela, sobre as vinícolas. 

Valéria Verçoza, advogada tributarista, explica que, neste sistema, o Estado calcula uma margem de valor agregado que representa a valoração que o produto sofre ao longo das etapas de produção e de circulação dessa mercadoria. “No caso do vinho, inicialmente foi estipulada uma margem de valor agregado mais baixo, que depois sofreu uma alteração bastante significativa, no início de 2021, e hoje está em 115,32%”, explica. 

Segundo ela, em outros Estados, como São Paulo, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, já não há mais essa previsão de substituição tributária para circulação do vinho. “Ou seja, o imposto que incide é com base no valor efetivo da circulação da mercadoria. Quando você tem a substituição tributária, em algumas hipóteses você pode ter uma margem de valor agregado que seja superior ao que efetivamente está sendo praticado na operação. Então, aquele responsável tributário pelo recolhimento do imposto fica onerado, recolhendo um imposto num valor maior do que o efetivamente praticado”, esclarece. 

Sem arredar o pé na modalidade da cobrança, mas para tentar aliviar o bolso dos produtores, o governo de Minas criou um Regime Especial de Tributação para impulsionar a fabricação de vinhos mineiros. O benefício, aprovado pela Comissão de Política Tributária da Secretaria de Fazenda, está disponível para todo o segmento. Ele garante a desoneração dos insumos para a produção do vinho - da matéria-prima e maquinário às embalagens - , desde que sejam adquiridos no Estado. E na venda, em vez de o contribuinte recolher a alíquota de ICMS de 25%, passa a recolher 3%.

Segundo o secretário de Estado de Fazenda de Minas, Luiz Claudio Gomes, a expectativa é que, após a medida, a cadeia de produção de vinho se desenvolva, atraia novos investimentos, empregos e negócios. Ele destaca que a questão do tratamento tributário é essencial para setores em desenvolvimento, como o do vinho. 

“É muito curioso que isso tudo teve início com o desenvolvimento tecnológico da Epamig, que é a dupla poda [...]. E aí fica claro o retorno do investimento em pesquisa. E a nossa perspectiva é que esse segmento floresça, se dinamize, se torne denso e possa se tornar uma referência para o Estado de Minas Gerais, além do café e da cachaça”, afirmou. 

A Luiz Porto Vinhos Finos, situada em Tiradentes, no Campo das Vertentes, é uma das vinícolas que obteve o benefício. Luiz Porto Junior, de 38 anos, diretor presidente da empresa, detalha que, além dos 25% de ICMS, o setor paga 2% de fundo de combate a pobreza mais o IPI e PIS/Cofins de 12% na esfera federal. Com o novo regime especial de tributação do Estado, o percentual total de custo de sua produção só com impostos deve reduzir dos 50% para 40%. 

“Ainda é um imposto muito significativo, mas a gente vê aí um esforço do governo do Estado em promover a indústria nascente de vinhos finos especiais. [...] Para você ter uma ideia, os nossos vinhos são vendidos mais baratos em São Paulo, no Paraná, do que propriamente em Minas por conta da substituição tributária. Então, isso faz com que a gente pelo menos tenha igualdade de precificação ”, explica.

Junior conta que há garrafas da Luiz Porto que custam entre R$ 140 e R$ 150 em São Paulo, mas em BH são encontradas por R$ 180 e R$ 190. Ele explica que, com o novo regime, os preços dos vinhos passam a ser mais acessíveis para os consumidores mineiros, que valorizam muito o regionalismo, tem orgulho dos seus produtos, e levam muito em conta este fator na decisão de compra.  

“A luta é para que a gente possa tirar a substituição tributária para que possa recolher impostos na cadeia produtiva de acordo com a circulação de mercadorias propriamente dita, evitando que seja necessário fluxo de caixa das indústrias, que precisam investir em tecnologia, na geração de empregos, expansão e maquinário”, diz. 

A informação do regime especial de tributação, porém, ainda não chegou para todas as vinícolas. Eduardo Junqueira Neto, filho de Eduardo Junior e responsável comercial da Maria Maria, por exemplo, desconhecia a novidade. “Todo benefício, se realmente for aplicado, é bem-vindo. Vamos ver”, disse. Segundo ele, os impostos estaduais hoje são um dificultador da produção porque elevam o custo do produto: “é uma fatia de valor impactante”, resume.

No ano passado, segundo Eduardo, a  Maria Maria cresceu quase 50% em sua produção. Só na pandemia, houve um incremento de 8% nas vendas.  

 

Produção de vinho em Minas

Veja como requisitar o Regime Especial de Tributação:

O Tratamento Tributário Setorial (TTS) é destinado aos contribuintes produtores de vinho localizados em Minas Gerais. Veja as regras:

  • Não ser optante do Simples Nacional
  • Estar em situação regular com o Estado
  • Apresentar o requerimento observando a forma e prazo determinados no Decreto nº 44.747, de 2008

Acesse: fazenda.mg.gov.br

 

Panorama da produção do vinho em Minas

  • 1 mil hectares de área plantada com a técnica da dupla poda
  • R$ 120 milhões gerados pelo segmento no ano
  • +250 hectares é a estimativa de crescimento por ano 
  • 4 mil toneladas de uvas e 2,4 milhões de litros é a estimativa de capacidade de produção anual com toda a área plantada

Fonte: Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas (Epamig)

 

Parreiral da Maria Maria, na Fazenda Capetinga, no Sul de Minas

Parreiral da Maria Maria, na Fazenda Capetinga, no Sul de Minas. Foto: Instagram @vinhosmariamaria/Reprodução

Dupla poda mudou a história do vinho em Minas 

O desenvolvimento da ideia de Eduardo Junior, do Maria Maria, e de tantos outros produtores de vinhos finos em Minas, só foi possível graças à técnica inovadora da dupla poda, projeto pioneiro que tinha Murillo de Albuquerque Regina à frente, então pesquisador da Epamig, em meados dos anos 2000. 

Lucas Amaral, de 27 anos, enólogo da Epamig, explica que as colheitas tradicionais são realizadas no verão, em dezembro e janeiro, que coincidem com o período chuvoso no Brasil, mais propenso às doenças. Então, na dupla poda, é retirada a flor, que posteriormente formaria o cacho de uva, no fim do inverno e também no final do verão. 

A colheita é feita somente em meados de julho. “Este período é benéfico, tem menos chuva, dias quentes e noites frias… Uma amplitude térmica que vai fazer com que a uva atinja uma maturação fenólica e tenha potencial de fazer vinhos de barricadas, por exemplo, mais longevos”, explica o enólogo. 

Segundo ele, praticamente no mundo todo é realizada somente uma poda. A técnica da poda dupla pode ser vista em Petrolina (PE), no Nordeste, e a China também vem realizando um processo similar. 

Eduardo Junior, da Maria Maria, conta que plantou os primeiros pés de uva na Fazenda Capetinga, com a técnica da Epamig, em 2009. “Foram 5 hectares, com 20 mil mudas. Como era um projeto novo, não sabia se as uvas iriam crescer, dar frutos, se iria dar vinho, se iria ser bom… Em 2012, fizemos a primeira safra, pequena, e constatamos que os vinhos seriam de alta qualidade”, lembra. 

Em 2013 houve a primeira colheita da safra comercial da Maria Maria. E já em 2017, o Sauvignon Blanc Bel 2015 foi bronze na Decanter World Wines Awards, uma das maiores premiações do mundo. Hoje já são 60 mil pés de uva em 23 hectares e 80 mil garrafas de vinho produzidas pela Maria Maria por ano. 

“É um mercado muito difícil de ser conquistado. Tem um ditado que fala que ‘quem vai na frente bebe água limpa’. Nós, como uma das primeiras vinícolas em Minas, já conseguimos fazer o nome, conseguimos fazer a qualidade dos nossos vinhos e hoje é lucrativo sim, dá uma boa renda”, conta Eduardo. A família, que também cultiva café, soja e milho, tem hoje no vinho 20% de seu faturamento. 

Segundo Lucas, enólogo da Epamig, além da sauvignon blanc, a produção de vinhos finos em Minas começou com a syrah, mas hoje já são cultivadas outras variedades, como malbec e cabernet franc.  Segundo ele, o Estado inteiro está produzindo vinho de qualidade, da Serra da Mantiqueira ao Triângulo Mineiro até o Norte de Minas. 

“Os vinhos sauvignon são mais frutados, de regiões mais quentes e os syrah tem o potencial de produzir mais álcool, são ‘barricados’ (armazenados em barricas de madeira). Como é uma região produtora muito nova, estamos testando o máximo possível. A maior parte está indo bem”, explica. 

O enólogo conta que existem relatos de produção de uva no Sul do Estado desde 1800, com a chegada de imigrantes, muito também para o consumo in natura. “[Mas] a dupla poda permitiu que regiões onde não tinham tradição de produzir vinhos finos conseguissem produzir vinho de qualidade e fez com que Minas Gerais expandisse seus terroir”, pondera Lucas. Como a produção no Estado é muito recente, a Epamig ainda não catalogou a especificidade dos vinhos de cada região.

Segundo Lucas, a produção na técnica da dupla poda é 30% a 40% mais cara, porque são dois ciclos para uma única colheita. A produção pode levar de 8 a 20 meses. Mas enquanto um vinho de mesa custa entre R$ 20 e R$ 30, um vinho fino pode ser vendido por até R$ 100. 

A empresa de pesquisa também funciona como uma espécie de incubadora dos produtores que estão iniciando a produção e ainda não têm vinícola própria. Cerca de 80 já foram atendidos em duas décadas de trabalho, inclusive de fora do Estado, e 27 estão em processo atualmente. 

Normalmente, os produtores têm as terras e os parreirais e levam as uvas para a vinícola experimental da Epamig em Caldas, onde são processadas e vinificadas. “Eu cuido da incubadora. Pegamos produtores de regiões novas e começamos a fazer o vinho para eles, validando essa região. Então, por exemplo, eu fiz o vinho de Uberaba, Araxá, Capitólio, regiões que nunca tinha feito vinhos finos”, diz Lucas. 

As pesquisas em vitivinicultura da Epamig têm contado com o apoio de agências públicas de fomento, especialmente a Fapemig. Desde o ano 2000, início dos estudos, foram investidos cerca de R$ 10 milhões em projetos e também houve aporte de recursos privados, oriundos da venda de mudas e da prestação de serviços de vinificação.

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