Ao pé da barragem

Necessidade de emprego supera medo de rompimento

Candidatos fazem fila por vaga em obra de muro de contenção em Barão de Cocais

Por Ludmila Pizarro e Queila Ariadne
Publicado em 26 de junho de 2019 | 03:00
 
 
 
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Se dependesse da mulher de José Raimundo Jesus dos Santos, 43, ele nem tentaria uma vaga para trabalhar na obra do muro de 307 m de comprimento e 35 m de altura que a Vale está construindo entre a barragem Sul Superior e o talude que corre risco de se romper em Barão de Cocais. Mas, em um país com 13 milhões de desempregados e 37 milhões de pessoas trabalhando na informalidade, a necessidade é maior do que o medo. “Minha mulher acha que é arriscado e disse que não aceitaria de jeito nenhum. O salário é baixo, mas tem quatro meses que eu não sei o que é entrar R$ 1 no meu bolso”, contou. A conversa aconteceu em uma fila de desempregados, na porta da construtora Barbosa Mello, à beira da estrada, na entrada de Barão de Cocais. Raimundo era um dos cerca de 30 trabalhadores que esperavam uma chance de ser contratado para a obra, que até agora já empregou 600 pessoas.

E quanto será que ganharia Raimundo para trabalhar aos pés de uma barragem classificada em nível 3, o risco máximo? Por respeito à confidencialidade salarial e para não expor os funcionários, a Vale não respondeu. Mas os trabalhadores que estavam na fila junto com Raimundo deram uma noção. “É R$ 1.350 para pedreiro e R$ 1.080 para ajudante”, contaram eles, com base em informações sobre vagas divulgadas e de outros trabalhadores já contratados. A Barbosa Mello foi procurada, mas disse que a Vale passaria as informações. Sem confirmar o salário, a mineradora esclareceu que “prioriza mão de obra local, inclusive de comunidades mais próximas, em seus projetos e operações” e que eles “recebem toda a capacitação necessária para a realização de suas atividades, incluindo treinamento de segurança”.

A Vale foi questionada, ainda, se quem trabalha ao pé da barragem ganha adicional de periculosidade, mas também não respondeu. A Constituição Federal prevê o pagamento de remuneração adicional para atividades penosas, insalubres ou perigosas. Mas trabalhar diante de barragens com risco de rompimento não entra nessa lista. “Por mais que a gente entenda que existe risco de vida, a legislação só prevê o pagamento do adicional para trabalho que envolva atividades explosivas, inflamáveis e de eletricidade. A alternativa para conseguir o pagamento é entrar na Justiça do Trabalho ou procurar os sindicatos para propor acordos coletivos junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT)”, explica o auditor da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE-MG) Mário Parreiras. “Sobre a quantidade de interessados, estamos caminhando rumo à pobreza, e esse é o retrato do Brasil: onde tem emprego, tem fila”, analisa Parreiras.

Para dar início às obras da barreira que amenizaria os impactos em caso de rompimento da estrutura em Barão de Cocais, a Vale apresentou um plano de segurança e garantia de que todos os operários conseguirão sair a tempo. “Eu acho que, se estourou, dá para sair. Pode perder equipamento, mas não acho que perde vida”, afirma Raimundo, na torcida para ser contratado. “Eu sou montador de andaime, mas aceito qualquer oportunidade”, afirma o candidato. A obra começou em maio, e a previsão é que termine em dezembro. A Vale diz que continuará contratando, de acordo com a necessidade.

Funcionário segue trabalhando

Os trabalhadores da Vale que atuavam na mina do Córrego de Feijão, em Brumadinho, convivem com as consequências do rompimento da barragem em 25 de janeiro, mas não são considerados atingidos. Por meio de assessoria, a Vale diz que aqueles que moram em Brumadinho ou perderam parentes são atingidos, mas não pelo fato de serem funcionários.

O técnico em eletroeletrônica Carlos Diniz, 40, funcionário da Vale há 20 anos, em Brumadinho, já voltou ao trabalho, mesmo convivendo com a perda da esposa, Lenilda, 39. Ela trabalhava no restaurante da mina quando a lama inundou o local. “É muito ruim ficar andando no mesmo lugar onde ela morreu. O que me ajuda são os amigos que também estão lá”, conta Carlos.

Na Vara do Trabalho de Ouro Preto, uma ação coletiva busca o reconhecimento dos funcionários da Samarco como atingidos pelo rompimento de Fundão em 2015. “Algumas ações individuais já foram concedidas no sentido do reconhecimento”, diz a juíza titular da Vara de Ouro Preto, Graça Maria Borges de Freitas.

Desemprego se mantém

Para a região de Mariana, o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, trouxe desemprego. “A pior questão para nós é a falta do emprego. Desde o rompimento, muita gente ficou desempregada, 85% da economia local depende da mineração”, relata o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos (Metabase) de Mariana, Roger Moraes. “Muitas empresas que atendiam mineradoras entraram em recuperação judicial e demitiram”, afirma a juíza do Trabalho e titular da Vara de Ouro Preto, Graça Borges de Freitas.

Pedido de desculpas

Funcionário da Vale em Brumadinho, Carlos Diniz diz que um pedido público de desculpas da empresa seria mais importante do que indenização. “Ela não pediu desculpa a ninguém. Só se fala em dinheiro, mas ela não chega perto dos familiares e pede desculpa, não vai nos órgãos de imprensa fazer isso”, desabafa. Carlos ficou viúvo com o rompimento da barragem, no dia 25 de janeiro. Sua mulher trabalhava no restaurante da mina e completaria 40 anos em 22 de fevereiro. Ela deixou duas filhas, de 5 e 15 anos.

Riscos

CLT. Pelo artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho, enquadram-se como perigosas aquelas atividades que têm contato com inflamáveis, explosivos ou eletricidade.

 

Pouco é muito

“O salário é pouco, mas para quem está precisando é muita coisa. Passam muitos filmes na minha cabeça, mas, se acontecer algo, dá tempo de sair.”

José Raimundo, 43

Desempregado

 

Esperança

“Eu sou de Santa Bárbara. Tem dia que chego na fila às cinco da madrugada. A gente até tem medo, mas fazer o quê? Tenho família para alimentar, e meu último emprego fichado já faz cinco anos.”

Wesley Leôncio, 30

Desempregado

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