Mercado

Reajuste dos planos de saúde coletivos deve atingir dois dígitos mesmo com lucro

XP Investimentos divulgou análise de dados com base em informações fornecidas pela ANS

Por Shirley Pacelli
Publicado em 02 de maio de 2024 | 09:00
 
 
 
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Após um prejuízo histórico em 2022, as operadoras de saúde lucraram R$ 3 bilhões em 2023, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Mas mesmo diante do melhor desempenho após a pandemia, os usuários dos planos coletivos já devem preparar o bolso: a projeção é que o reajuste de 2024 seja na casa dos dois dígitos. A previsão é de um relatório da XP Investimentos, com base em dados da ANS de dezembro de 2023 a fevereiro de 2024.

Segundo o documento, o mercado de planos de saúde tem aumentado os preços em mais de 15% nos últimos meses. Enquanto SulAmérica, Bradesco e Amil reajustaram seus planos bem acima de 20% desde a metade de 2023, a Hapvida e a NotreDame Intermédica estão aumentando os preços nos níveis do mercado, pressionando a taxa para baixo. Para se ter uma ideia, a média do reajuste dos planos de saúde em Minas, apenas em fevereiro deste ano, foi de 13,8%. 

“Esperamos que as precificações mais agressivas continuem ocorrendo por pelo menos mais um ano no mercado de planos de saúde, à medida que as empresas buscam melhorias de sinistralidade, o que pode continuar limitando o crescimento do mercado”, detalha o relatório. 

O mercado dos planos odontológicos, por sua vez, contrasta com os de saúde, já que os aumentos de preços têm sido consistentemente na casa de um dígito. Porém, as empresas que oferecem ambos, apresentam reajustes muito mais elevados. Em fevereiro deste ano, enquanto Hapvida teve aumento de 10,3%, SulAmérica em 20,2% e Amil em 19,2%; no Odontoprev, exclusivo de saúde dentária, a taxa de aumento foi de 4,1%. 

Em nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) esclareceu que o reajuste dos planos de saúde reflete a variação das despesas assistenciais e é indispensável para garantir a manutenção e o aperfeiçoamento da oferta da assistência médica a seus beneficiários. Segundo a entidade, entre os fatores que influenciam o reajuste estão a inflação da saúde, representada pela evolução do custo da assistência; a obrigatoriedade da oferta de tratamentos cada vez mais caros, com doses, em alguns casos, a cifras milionárias; a ocorrência de fraudes; e a judicialização.

“O setor de saúde suplementar brasileiro, composto por mais de 700 operadoras de planos médico-hospitalares, enfrenta desafios específicos de custos e frequências de utilização, refletindo os aumentos das despesas médicas praticadas por diversos prestadores de serviços de saúde. Ou seja, os reajustes são um termômetro de uma persistente inflação da saúde, fenômeno mundial”, destacou a Fenasaúde.

No mundo, a inflação da saúde é calculada com base nos preços de serviços e produtos médico hospitalares e a frequência de uso. Segundo dados da consultoria internacional AON, a inflação médica no Brasil deve atingir 14,1% em 2024. A taxa é maior do que a média global de 10,1% e também maior do que a inflação oficial prevista pelo Boletim Focus, de 4,03%.  

Em nota, a Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (Anab), que representa as empresas que fazem a gestão e comercialização de planos de saúde coletivos, reforçou que os reajustes anuais são extremamente necessários para a manutenção do sistema de saúde suplementar brasileiro em equilíbrio. “Os índices praticados pelas operadoras de saúde ano após ano refletem o cenário do setor, que enfrenta uma série de instabilidades por diversos fatores: adoção do rol exemplificativo, que incrementa coberturas inesperadas e acarreta no desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos vigentes; aumento das fraudes no uso de planos; obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos de alto custo; altas sinistralidades dos últimos anos (chegando a 100% em alguns contratos); entre outros, refletindo no cálculo dos índices de reajuste dos planos de saúde coletivos, que estão sendo anunciados em cada contrato ao longo deste ano”. 

 

Consumidor fica refém de operadoras de saúde

Os planos coletivos, empresariais e por adesão, contemplam cerca de 50,9 milhões de pessoas no país, cerca de 88,6% dos usuários dos serviços. O reajuste é anual e de livre negociação entre as empresas e os contratantes. A ANS regulamenta apenas o índice de reajuste dos planos individuais e familiares.  

Marina Magalhães, pesquisadora do programa de Saúde do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), afirma que a falta de transparência no faturamento das operadoras de saúde cria uma barreira extra para que consumidores questionem os reajustes impostos pelas operadoras ano a ano. “Os reajustes dos planos de saúde, em tese, não existem para balancear as contas das empresas. Esses reajustes existem para fazer com que o contrato do plano não fique desequilibrado ao longo do tempo”, afirma. 

Ela explica que, para “reequilibrar o contrato”, as empresas precisariam corrigir dois pontos: a inflação sobre os serviços médicos, que é sempre superior à média da inflação oficial, e a variação na utilização do plano em relação ao ano anterior. 

A pesquisadora lembra que são exatamente esses dois fatores os utilizados pela ANS para definir o percentual de reajuste anual dos planos individuais. “Acontece que nos planos de saúde coletivos, como não tem essa regulação, a gente não sabe se são esses dois componentes que estão sendo refletidos ou se, de fato, as empresas estão usando dos reajustes para compensar perdas econômicas em outras áreas”, diz. 

Mariana lembra que os ajustes médios dos planos coletivos costumam ser o dobro dos praticados nos planos individuais. No ano passado, o reajuste da ANS foi de 9,63% para os planos individuais, mas a média do aumento dos planos coletivos ficou em 14,38%. 

Ela explica que a justificativa de maior sinistralidade para o aumento dos preços dos planos de saúde coletivos só faria sentido se houvesse uma utilização muito maior dos serviços. “E os dados que a gente tem mostram, inclusive, que, muitas vezes, nos planos individuais, a utilização média dos usuários é maior”, diz. 

Segundo projeções de consultorias como Citi e Milliman, o reajuste dos planos individuais deve ficar abaixo dos 10% neste ano.

“Muito frequentemente, as operadoras calculam um percentual de reajuste que, na nossa visão, é abusivo. Fica na causa dos dois dígitos, às vezes chega a 20%, 25%... Enfim, não têm transparência nenhuma sobre como foi calculado”, observa a pesquisadora do Idec. 

Segundo Mariana, tem sido recorrente ainda a prática das operadoras fixarem o reajuste num índice muito alto e só topar negociar com o contratante caso ele faça downgrade do plano, ou seja: mude para uma categoria pior. Ou, ainda, caso aumente o percentual de coparticipação do plano. “E o consumidor se vê obrigado a aceitar um vínculo mais precário de plano de saúde para conseguir continuar pagando”, diz. 

Em busca de uma regulamentação do reajuste dos planos de saúde coletivos, o Idec tem uma campanha chamada ‘Chega de aumento’. https://idec.org.br/chega-de-aumento O objetivo é, ao menos, conseguir maior transparência do cálculo de reajuste das empresas.

 

Tramita também na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 7419-2006, que permitiria que a ANS estabeleça um limite de reajustes sobre os planos coletivos e libere o Procon para fiscalizar esses aumentos. O projeto, porém, está parado. O presidente da Câmara , deputado Arthur Lira, quer discutir as propostas com as operadoras.  

 

Entidade diz que negocia menor impacto para beneficiários

A Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (Anab) diz que atua para negociar com as operadoras reajustes de menor impacto possível para os beneficiários que possuem planos sob gestão de administradoras de benefícios. “No último ano, conseguimos gerar uma economia de R$ 2 bilhões para os consumidores, que é a diferença entre o valor de reajuste pedido pelas operadoras e o percentual efetivamente aplicado. De 2013 a 2023, essa economia gerada nos contratos geridos por administradoras de benefícios passou de R$ 8,6 bilhões”, informou a entidade em nota.


A reportagem de O Tempo também entrou em contato com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Ambramge) e aguarda retorno.

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