Corrida contra o tempo

Vacina para Covid deve chegar a brasileiros só no segundo semestre de 2021

Especialistas fazem estimativa, mas lembram que estudos ainda estão na fase de testes

Por Rafaela Mansur
Publicado em 24 de julho de 2020 | 03:00
 
 
 
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A vacina contra o novo coronavírus pode estar disponível para toda a população brasileira no segundo semestre de 2021, estimam especialistas ouvidos pela reportagem. Nesta semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) cravou que a imunização não estará disponível antes do ano que vem. O acesso dos brasileiros ao imunizante, no entanto, depende de uma série de fatores.

Mais de 160 vacinas contra a Covid-19 estão em desenvolvimento no mundo. Pelo menos 24 já foram registradas para a fase de testes clínicos, em seres humanos. O Brasil tem parcerias no desenvolvimento de três: a de Oxford, considerada a mais avançada; a chinesa Coronavac; e a da Pfizer e BioNtech.

O imunizante do AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford (Reino Unido) está na fase 3 de estudos, a última, que consiste em um ensaio de larga escala com milhares de pessoas. O Brasil firmou acordo em duas etapas: na primeira, o país paga pela tecnologia antes dos resultados finais, para ter direito a 30,4 milhões de doses, no valor total de U$ 127 milhões, incluídos os custos de transferência da tecnologia para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os dois lotes – 15,2 milhões de doses cada – devem ser entregues em dezembro de 2020 e janeiro de 2021. Se a vacina for segura e eficaz, a previsão é de mais 70 milhões de doses – a US$ 2,30 cada.

Além disso, o Instituto Butantan, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac Biotech, iniciou a fase 3 dos ensaios clínicos para testar a eficácia e a segurança da Coronavac. Os testes serão realizados em 9.000 voluntários, inclusive na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Se o resultado for positivo, o Butantan deve receber, até o fim do ano, 60 milhões de doses.

Para o virologista Flávio da Fonseca, da UFMG, esse tipo de acordo, apesar de envolver certo risco, garante uma posição melhor para o Brasil na fila mundial. "Eu estava muito preocupado com a posição que o Brasil poderia ficar nessa fila que vai se formar quando uma vacina estrangeira eficaz for comprovada, porque não havia acordos. Quando um laboratório estrangeiro produz uma vacina, primeiro, ele atende a demanda interna, depois, os parceiros comerciais e culturais e, depois, é que vai tentar atender outros países interessados. Então, poderíamos esperar muito tempo até que tivéssemos acesso", diz.

"Com esses acordos, a gente se coloca em uma posição um pouco melhor. Ainda assim, é bom esclarecer que as vacinas estão em testes, não há certeza se elas vão funcionar. A taxa de sucesso de uma vacina que entra na fase de testes clínicos é de 10%, ou seja, uma a cada dez testadas em seres humanos funciona", pontua.

Ele lembra que, no caso da vacina da AstraZeneca, caso ela tenha a eficácia e a segurança comprovadas, a previsão é que as 30 milhões de doses iniciais sejam destinadas a grupos específicos (idosos, pessoas com comorbidades e profissionais da linha de frente).

“À medida que a transferência de tecnologia for acontecendo ou doses suplementares forem sendo providas pelos laboratórios estrangeiros, outros grupos populacionais, até chegar à população inteira, seriam atingidos. A gente imagina que a população de uma forma geral não deve ser completamente atendida antes de metade de 2021”, diz.

“Com segurança, vacina para a população brasileira inteira eu não acho que tenhamos antes do segundo semestre do ano que vem. Pode ser que tenha uma quantidade, tudo depende de os testes na fase 3 funcionarem”, avalia Ricardo Tostes Gazzinelli, professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Vacinas e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Minas.

Para a diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e mestre em tecnologia de imunobiológicos pela Fiocruz, Mayra Moura, em uma visão muito otimista, a vacina contra a Covid-19 pode chegar à população ainda no primeiro trimestre de 2021.

Segundo ela, no desenvolvimento normal de uma vacina, as pessoas que se dispõem a participar das pesquisas são acompanhados por cerca de um ano. Depois disso, ainda há alguns meses para avaliação dos dados e submissão da vacina para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No entanto, diante da pandemia, os protocolos mudaram, e os prazos ficaram mais curtos. "Quando 100% das doses estarão disponíveis a gente não sabe, mas boa parte estará disponível tão logo os resultados saiam e sejam eficazes", afirma.

Distribuição

Em um ponto, todos os especialistas concordam: o Brasil já tem uma estrutura de logística bem consolidada para a distribuição das doses para todas as regiões tão logo elas estejam disponíveis. 

“A malha para distribuir a vacina pela rede pública já existe há muitos anos no Brasil, porque vai seguir o fluxo que toda vacina hoje no Brasil segue. Isso funciona diariamente. Eu, particularmente, não me preocupo com como a vacina vai ser distribuída, a questão mesmo é a execução do estudo e a avaliação dos resultados”, afirma Mayra Moura, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

“O Brasil tem um programas de imunização estatal já bem estabelecido. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) consegue levar vacina para um país deste tamanho, com muitos locais difíceis de serem alcançados, então já existe essa expertise no Brasil. Se nós tivermos acesso a essas vacinas, eu acho que existe a estrutura e a expertise para que isso seja disponibilizado”, pontua o virologista Flávio da Fonseca, da UFMG.

Um exemplo de ação bem-sucedida do país em relação à imunização foi a Campanha Nacional de Vacinação para Eliminação da Rubéola. Em 20 semanas, de 9 de agosto a 30 de dezembro de 2008, 67,1 milhões de brasileiros receberam a vacina contra a doença, o que representa uma cobertura de 95,79% da população-alvo, segundo relatório do Ministério da Saúde. Em 2015, o Brasil ganhou o documento da eliminação da rubéola e da síndrome da rubéola congênita.

Em busca da vacina

O Brasil e outras dezenas de países manifestaram interesse em entrar para o grupo internacional que negociará com os produtores da vacina contra a Covid-19, o COVAX. O objetivo é, até o final de 2021, fornecer dois bilhões de doses de vacinas seguras e eficazes que tenham passado na aprovação regulatória e/ou na pré-qualificação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Essas vacinas serão entregues igualmente a todos os países participantes, proporcionalmente às suas populações, priorizando inicialmente os profissionais de saúde.

Disputa

Segundo especialistas, a compra dos Estados Unidos de 100 milhões de doses de vacina contra o coronavírus da Pfizer e da BioNTech prejudica não só o país, mas o mundo todo. "Vamos supor que a vacina funcione, já é uma vacina a menos para ter acesso, porque os americanos compraram tudo", pontua o virologista da UFMG, Flávio da Fonseca.

Duração da vacina

Segundo a diretora da SBIm, Mayra Moura, a duração do efeito da vacina contra a Covid-19 ainda é desconhecida. "A gente ainda nem sabe se a doença confere imunidade prolongada, e a vacina sempre simula a doença, ela costuma ser muito próxima de como a doença se comporta nessa questão de proteção. Se normalmente a doença protege permanentemente, geralmente a vacina tem essa característica também", explica.

Respostas

O Ministério da Saúde informou que "possui interesse em adquirir qualquer vacina com comprovada eficácia e imunogenicidade para garantir à população brasileira" e que o país está "em tratativas com laboratórios que possuem pesquisas de vacinas mais promissoras do mundo".

A Secretaria de Estado de Saúde disse que "a logística de entrega das vacinas já existe e é um trabalho integrado entre o Nível Central da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais e as Unidades Regionais de Saúde para que a vacina possa estar disponível em um menor período possível para os municípios".

A Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) de Belo Horizonte não se manifestou informou que as vacinas que integram o calendário de vacinação do SUS são fornecidas pelo Ministério da Saúde, que encaminha as doses aos Estados que, por sua vez, repassam aos municípios, considerando a população a ser vacinada. Belo Horizonte conta com 152 centros de saúde, e em todos há salas de vacina, que funcionam de segunda à sexta-feira.

O município adota estratégias diferenciadas durante campanhas de vacinação, como abertura de postos extras, contratação de profissionais, abertura dos centros de caúde para vacinação aos finais de semana e parcerias para ampliar o acesso da população às vacinas.

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