A expressão italiana “la vera”, em português, quer dizer “a verdadeira”. E é justamente essa a filosofia que Leonardo Fontanelli procura imprimir às suas pizzas, que seguem o modelo daquelas produzidas no seu país natal: assim, a massa é feita à base de farinha Petra, do moinho Quaglia, que passa por um processo de 48 horas de maturação. “É um passo importante para oferecer pizzas mais leves, crocantes e de fácil digestão”, explica o chef, acrescentando que elas são assadas em forno especial, elétrico. “O a lenha é muito instável”, avalia. Localizado no Anchieta, o La Vera é uma dos exemplos de pizzarias da capital mineira que vêm apostando em um novo conceito, que abarca massa de fermentação natural (feita, geralmente, a partir de farinha italiana) e coberta por ingredientes (poucos, saliente-se) de origem artesanal.
Na contramão, portanto, da versão abrasileirada, que permite combinações, digamos assim, inusitadas (como frango com carne moída), massa grossa e até bordas recheadas, além do acréscimo de ketchup. Que fique claro: nada contra as adaptações, que, na verdade, espelham a acolhida do prato por aqui. Mas é fato que há uma parcela considerável de pessoas que procuram justamente o gosto similar à pizza que degustaram em viagens à Itália, ou que, mesmo não tendo ainda ido lá, desejam provar o prato tal qual ele foi popularizado na “bota”.
Massa é tudo
“O que vai na cobertura é equilibrado, porque você come a pizza com a mão (o La Vera não oferece talheres), e, assim, nada pode cair. Portanto, nenhum ingrediente tem que sobrepor o outro. É preciso sentir inclusive o sabor da massa”, situa Fontanelli, que também preza o uso de tomates maduros para o molho, com pedaços conservados e temperados apenas com sal e azeite. Outro toque especial é o azeite extravirgem, que, aliás, também vai na massa, como uma forma de conferir contemporaneidade à clássica receita. Lá, na hora de comer, um suporte de papelão é oferecido ao comensal.
Fato é que a massa, nesse modelo de pizza, é mesmo fundamental. “O sabor dela precisa ser percebido. Ela não é apenas a base da receita”, endossa o chef Eduardo Maya, que está à frente da Pitza 1780. Vale dizer que foram necessários seis meses para se chegar à fórmula hoje servida antes de inaugurar o espaço, o que ocorreu há pouco mais de um ano.
O menu exibe poucas opções – e todas sem sobreposição de sabores. Embora os talheres sejam oferecidos se solicitados, Maya prefere que a massa seja sentida com a mão. “Sabe por que a pizza italiana tem borda? É porque foi feita para comer com as mãos. Só dar uma dobradinha e pronto”, lembra, repassando o ritual.
Para o chef pizzaiolo mineiro Gil Guimarães, proprietário da premiada Baco Pizzaria, de Brasília, a massa é especial por conta do cuidado e da paciência em seu feitio. “Você passa a cuidar da massa igual cuida de uma feijoada ou de um cozido. Precisa dar atenção o tempo todo, da fermentação longa até a temperatura de forno”, ressalta.
Como em Nápoles
É evidente que a maneira de fazer e servir a redonda ganhou fôlego aqui depois que a pizza de Nápoles, cujo processo de feitura estima-se ter sido iniciado em 1700, foi elevada à categoria de Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco, em 2017. O feito significou um incentivo para pizzaiolos de todo o mundo se arriscarem a preparar a iguaria com produtos de origem italiana.
“Mas ainda é um trabalho de formiguinha. O que me incomoda é que muita gente, quando sai do Brasil, gosta de experimentar tudo e come a pizza italiana. Mas, quando tem essa opção aqui, não quer dar uma oportunidade”, argumenta o baixista da banda mineira Pato Fu, Ricardo Koctus, que, há poucos meses, inaugurou a Koctus Pizza.
O músico se dedicou a pesquisar durante muito tempo sobre a tradicional pizza napolitana, e a sua receita preza por tentar reproduzir esse modo tradicional, seguindo à risca o uso apenas de farinha de trigo italiana, água mineral, fermento e sal. “A ideia é que o modelo seja de digestão extremamente fácil, para que eu consiga agregar outros ingredientes”, explica ele, que, em sua receita usa como diferencial a água funcional produzida pelo sogro – que passa por um processo para retirada de cloro e flúor, para ter um PH equilibrado.
Apesar de privilegiar a massa simples, a confecção contempla toda uma gama de cuidados. “Nossa massa tem pelo menos 24 horas de maturação e três horas de fermentação”, explica ele. Além de auxiliar no processo digestivo – evitando, por exemplo, a azia –, o tempo de descanso garante que ela fique “flexível e ‘borrachudinha’, para dobrar e comer com a mão”, explica Koctus.
Outra coisa que caracteriza a pizza da Koctus é a borda de um a dois centímetros que, não bastasse, é “gordinha”, com alvéolos e um leve e proposital tostado. “Ainda preciso educar algumas pessoas de que a borda é comestível”, diverte-se ele. “Brinco que não é enfeite: foi feita para comer. É um ensinamento explicar que a borda não vai ‘pesar’ o estômago se a massa for leve”, frisa Koctus, que sugere essa finalização com boas doses de azeite extravirgem, aromatizado com manjericão ou pesto de pistache.
Assinadas por chefs
As novas redondas ganharam também mais personalidade nos sabores por conta da invasão dos chefs nas fornerias. “Antigamente, o pizzaiolo era pouco valorizado. Você conhecia o dono da pizzaria, mas não ele. De uns tempos para cá, os chefs começaram a entender os processos de maturação e fermentação para a produção da pizza, e o consumo de ingredientes locais, outra forte tendência na gastronomia, também passou a ser agregado à pizza”, explica o chef Eduardo Maya, da Pitza 1780 – que, vale dizer, possui duas unidades, uma no Belvedere e outra na Savassi.
Alguns ingredientes que somam sabor às receitas da pizzaria italiana La Vera são produzidos pelo próprio chef Leonardo Fontanelli – caso, por exemplo, da pancetta curada, do figo em calda de pimenta, da bochecha de porco e do mel trufado. Na Koctus Pizza, tanto o bacon quanto o lombo são produzidos de forma artesanal no próprio estabelecimento.
O chef Gil Guimarães, da Bacco Pizzaria, de Brasília, também apoia – e faz uso – de produtos artesanais para a cobertura das pizzas, o que faz com que o prato assuma ares de novidade mesmo com 300 anos de existência. Essa condição já lhe rendeu prêmios como a melhor pizza do Brasil. “Esse novo momento contempla uma pizza de maior qualidade, independentemente de ser feita à moda napolitana ou não. As que são carregadas de queijo e produtos de segunda linha cedem espaço”, pontua ele, que está em BH – sua cidade natal – para implementar o modelo napolitano ao La Palma, restaurante e pizzaria comandado pela chef Naiara Faria.
Aliás, na próxima semana, entre os dias 22 e 26, o local promove o festival de pizzas napolitanas, com seis sabores, incluindo a clássica marinara, com tomate peldo, orégano, azeite extravirgem e alho.
RECEITA DA SEMANA
Massa de pizza caseira
por Leonardo Fontanelli
500 g de farinha tipo O
400 g de água
20 g de azeite extravirgem
10 g de sal
3 g de fermento fresco
Modo de preparo
Coloque a farinha em um recipiente. Jogue metade da água em temperatura ambiente. Misture com um garfo. Dissolva o fermento na outra metade da água e incorpore à mistura da farinha. Adicione o sal e o azeite. Continue a trabalhar a massa até obter um composto liso. Deixe descansar por 15 mi<CW-45>nutos. Coloque farinha numa superfície lisa, jogue o composto e divida a massa em duas bolas. Passe azeite nas bolas e coloque em duas vasilhas. Tampe com plástico filme e deixe na geladeira por 20 horas. Após esse tempo, retire, deixe em temperatura ambiente por 1 hora. Abra a massa em uma assadeira redonda de 25 cm com as mãos oleosas. Cubra com ingredientes de sua preferência.