Quem organiza uma festa de aniversário sabe: uma das condições para a escolha do bufê é que ele tenha uma boa coxinha. E quem desfruta da festa como convidado não encara como esforço esticar o bastante o braço para pescar ao menos uma unidade quando o garçom passa. Há ainda os mais espertos, que escolhem uma mesa mais perto da cozinha só para ter a chance de abocanhar a iguaria recém-frita, bem quentinha.
Experiências como essa só comprovam a unanimidade nacional quanto o assunto é gostar de coxinha. Uma dessas provas foi vivenciada pela chef Cristiane Lacerda, do bufê Fora do Comum. Certa vez, ela atendeu um cliente para um evento mais sofisticado, em uma loja de roupas de luxo. Sua proposta de cardápio incluía salgados finos, nenhum deles frito. Mas o cliente não quis abrir mão da coxinha. A chef tentou explicar que o petisco, talvez, não fosse uma boa opção, pois o cheiro da iguaria, ao ser frita, poderia impregnar as roupas da loja e dos convidados. Não conformado, ele improvisou um espaço próximo ao quarto do segurança para que o salgadinho fosse frito. E teve coxinha! “Em qualquer orçamento, a quantidade dela é maior do que qualquer outro salgado”, justifica a chef.
De fato, o quitute vem ganhando novos espaços além das festas de aniversário, conquistando paladares com as suas novas – e, algumas vezes, inusitadas – versões e sendo destaque em festivais totalmente dedicado à iguaria. Caso do Festival de Coxinhas. O evento, que já passou por capitais como Brasília, Goiânia e Salvador, conquista os mineiros neste fim de semana. “Acho difícil alguém falar que não gosta de coxinha”, justifica um dos organizadores, Maurício Rodrigues. Neste domingo, o evento, que começou ontem, oferece aos apaixonados pelo salgado mais de 50 opções de sabores. “A ideia é incentivar os cozinheiros a criar novos produtos, temperos e recheios diferentes que não se encontram em uma lanchonete. O legal é inventar e mudar os conceitos”, explicou.
Com tanto destaque, o petisco passou a desafiar a criatividade dos cozinheiros. Se a sua fórmula original é feita com carne de frango envolvida em massa, passada na farinha e dourada em óleo quente, agora as novidades incluem massas feitas a partir de outros ingredientes, como pequi e mandioca, e recheios criativos que vão de língua de boi à carne de siri, passando por rabada, frango caipira com ora-pro-nóbis até uma versão vegana, feita de jaca desfiada.
Essa tradição de inventar inusitados produtos a partir da coxinha acompanha a empresária Carol Martileni, da franquia Carol Coxinhas, que chegou à capital mineira na semana passada no bairro Caiçara. No festival, ela apresenta a criação batizada de “coxinhaburger”. “Ao mesmo tempo em que a paixão por coxinha crescia, o hambúrguer artesanal também ganhou destaque na gastronomia. Por que não juntar as duas coisas?”, justifica ela sobre a criação que engloba 170 g de recheio tradicional de frango mais 40 g de hambúrguer caseiro de carne somados ainda a bacon e queijo cheddar. Para os fortes.
Invencionismo. Mesmo com a lenda de que a coxinha tenha nascido no interior de São Paulo, em Limeira – de acordo com o livro “História, Lendas e Curiosidades da Gastronomia”, de Roberta Malta Saldanha –, nós, mineiros podemos somar a nossa contribuição para que o quitute tenha angariado, ao longo dos anos, mais apaixonados. Vale lembrar que a clássica coxinha de frango com catupiry nasceu aqui, em Belo Horizonte, na década de 70, pelas mãos de dona Theresa Cristina Pinto Coelho, fundadora da Doce Docê.
E, se de um lado, elas ocupam as estufas das lanchonetes, por outro estão cada vez mais inseridas nos menus assinados por renomados chefs. As coxinhas de rabada do Alma Chef são campeãs de pedidos entre os petiscos. O local foi um dos pioneiros em dar espaço para o salgadinho em restaurantes sofisticados, em 2013. Na mesma época, o chef Fred Trindade também criou a sua famosa versão da coxinha de rabada, sucesso até hoje, agora no Zé Trindade, no Mercado da Boca.
As coxinhas do Alma Chef chegam à mesa em porções de oito unidades, perfeitamente redondas para que o recheio úmido de rabada desfiada seja bem distribuído pela massa. “Mas não pode ser muito molhado, senão, na hora de fritar, a coxinha vai estourar. Isso acontece porque o caldo esquenta muito e vai querer sair de dentro massa. É preciso encontrar um meio-termo entre molhado e seco”, disse o chef Caio Soter, que faz um caldo de rabada mais espesso e com bastante colágeno para rechear a coxinha. Eis o segredo.
Atualmente, a opção está fora do menu apresentado aos clientes por uma justificativa plausível. “Mesmo ela não estando no cardápio, é a nossa opção de entrada mais vendida. Mas a ideia é que o cliente dê chances a outras iguarias tão gostosas quanto ela, como o croquete de costela e o bolinho de galinhada”, disse Soter, que prepara também uma versão da coxinha recheada de língua de boi.
O salgado também é o carro-chefe do Destro Bar. Por lá, são oito sabores com massas, recheios e molhos diferenciados, como a versão de pernil empanada com torresmo e a recheada de carne seca com massa de mandioca, acompanhada de molho de bacon com açúcar mascavo. “O mineiro é muito ligado à coxinha”, explica. “É um salgadinho simples, que todo mundo gosta, e isso nos instigou a criar sugestões diferentes para a casa. Eu acho interessante em qualquer cardápio, principalmente em um bar”.
Pra ser uma coxinha mesmo, precisa do formato, que dá à cara do produto”, explica o chef Rafael Avelar que criou, inclusive, uma versão de morango com Leite Ninho e que não é frita, mas mantém o formato tradicional do salgado.
Outro chef que capricha nas invenções é Eloi Moreira. Há seis anos ele criou a sua versão de coxinha de frango com o ossinho da ave pra fora e mais sabores ousados, como o de gorgonzola com molho de tangerina, cogumelos defumados e a de massa com pequi com baru e requeijão de raspa. “Uma vez por mês, eu faço a noite da coxinha em um espaço próprio e levo as coxinhas para eventos, servidos em uma carruagem com molhos especiais para acompanhar o salgado”, conta o chef.
O negócio fez tanto sucesso que, em novembro, ele lançou a empresa Coxinha da Realeza. Em uma carruagem estilizada, o chef serve o salgado com diversos recheios em eventos fechados. Os garçons, inclusive, vestem trajes que lembram os de cocheiros reais. “As pessoas sempre me diziam que queriam servir coxinhas nas festas e não sabiam como. Resolvi esse problema”, brinca Eloi. Para completar o serviço batizado de “Cozinha da Realeza”, ele prepara chutneys de tangerina, limão e ketchup artesanal de goiabada para acompanhar o salgado.
Chefs entregam receitas
Casquinha dourada e crocante por fora, recheio farto por dentro. Essa poderia ser a fórmula da coxinha perfeita. “Ao morder, precisa ouvir o barulhinho da massa bem crocante. Isso só acontece se a gordura estiver bem quente e limpa”, pondera Carol Martineli, fundadora da franquia Carol Coxinhas.
É unânime que todos os chefs e cozinheiros creditam o sucesso de suas coxinhas à escolha minuciosa dos ingredientes e aos modos de preparo. No Destro Bar, a massa é feita com a base básica de farinha de trigo, leite, gordura e o caldo do recheio, como frango ou pernil, por exemplo. A massa precisa ser bem cozida para não ficar com gosto de farinha na boca. E todas são bem pontudinhas para “segurar” pela ponta ao comer. “Isso não quer dizer que é certo ou errado, cada um tem sua forma de comer”, defende o chef Rafael Avelar.
Já no Alma Chef, o segredo está também no molde: as coxinhas de rabada e língua de boi são mais redondinhas para distribuir melhor o recheio. A chef Cristiane Lacerda, do bufê Fora do Comum, acredita que a massa precisa estar no ponto e ter o mínimo de absorção da gordura. “Se ficar mole demais, fica encharcada de gordura depois de fritar”, alerta.
Coxinha de siri
Receita do Buffet Fora do Comum
Ingredientes do recheio
700 g de siri
Azeite de dendê a gosto
Salsinha a gosto
Catupiry a gosto
Sal a gosto
Ingredientes da massa
500 mL de água
1 kg de farinha de trigo
Colorau a gosto
Uma dose pequena de óleo de soja
500 mL leite para empanar
Farinha de pão para empanar