No maravilhoso reino da carne de porco e do torresmo de barriga mais apreciado da cidade, o Bitaca da Leste reserva espaço, em seu menu, para o que aparentemente deveria ser uma das últimas pedidas pelos mais carnívoros: o falafel de feijão andu. O bolinho árabe frito, você sabe, é tradicionalmente feito com grão-de-bico – na verdade, seu ingrediente principal. Foi com essa base clássica, aliás, que ficou mundialmente conhecido.
A maioria das receitas leva apenas grão-de-bico adicionado a temperos como coentro, salsinha, alho e cominho. Mas novas e atrativas versões não param de surgir para fisgar paladares – principalmente os da turma vegetariana. Esse inclusive foi um dos motivos que justificaram a entrada do petisco no cardápio da casa, elaborado pelo chef Luiz Paulo Mairink. A ideia era criar um tira-gosto fácil, prático, e que também “tivesse uma friturinha gostosa”, brinca ele. “Sei que ainda é pouco. É difícil conseguir criar coisas atrativas para os veganos, mas é tudo um processo”, disse Mairink.
O chef conta ainda que a inspiração para criar o prato veio da lembrança de quando comeu o falafel de feijão de corda verde do chef paraibano Onildo Rocha, durante o festival Fartura 2017, em BH. “Quando fui criar o nosso bolinho, me lembrei imediatamente desse que comi, e pensei em fazer com um ingrediente da minha cozinha, do Vale do Jequitinhonha, que é o feijão andu”, explica ele.
A receita é temperada com pimenta síria, canela e um toque refrescante de semente de coentro – ingrediente frequente em receitas na região do norte de Minas Gerais.
Mas a versão criada por Luiz Paulo vem muito bem acompanhada. O bolinho é recheado com mamão verde fermentado e geleia de limão capeta. “A fermentação é um processo que altera o alimento e traz uma complexidade de sabores. O mamão confere uma certa acidez ao prato e remete à nossa cultura gastronômica”, disse.
A sugestão do chef Otávio Ribeiro, do Protótipo, é uma versão de falafel com shimeji no molho teriaki. A receita obedece à tradição: é feita de grão de bico temperado com ervas, cebola e alho. O formato, nem tanto. “Ele é moldado em forminhas de empadas e, depois, frito”, explica o chef, que serve o falafel como uma espécie de quiche.
Já no Do Ar, o falafel – ou, melhor, falafão – elaborado pelo chef Kiki Ferrari ganhou uma versão bem mineira. No lugar do grão-de-bico, o chef usa feijão fradinho temperado com especiarias que lembram as nuances orientais. A versão, mais molhadinha, é para ser comida com garfo e faca. “Finalizo com chutney de cebola roxa e especiarias e queijo tipo catupiry”, explica ele, sobre a originalidade da receita. “A evolução de qualquer área de conhecimento é a arte da experimentação”, filosofa.
Muito mais que vegano
Com os upgrades “diferentões” como o catupiry na receita, o bolinho, claro, deixa de ser uma pedida voltada para o público vegano, mas, em contrapartida, conquista um outro segmento. “Comer geleias e doces com queijo é algo bem familiar ao nosso paladar, uma forma bem próxima da nossa cozinha mineira”, explicou o chef.
Se Kiki Ferrari quer priorizar a cultura mineira em suas criações, Thiago Koch, chef e co-fundador da rede Bullguer, tem outro foco. Apesar da fama do falafel, de agradar principalmente os paladares veganos, esse não é definitivamente o objetivo do green one, sanduíche vegetariano que entrou no menu na semana passada.
“Como uma casa que vende carne, acho que seria contraditório oferecer um lanche vegano”, diz ele, sobre a receita que leva, além do falafel em versão hambúrguer, ovo, salada de repolho, picles de rabanete e maionese. O falafel é feito exclusivamente de grão de bico, sem muita invencionice. Koch explica ainda que procurou alcançar uma textura crocante, para que o resultado não ficasse “uma grande unidade pastosa, sem muita aparência definida”. Ele acredita que a sua versão do bolinho árabe é “para um apreciador de bons sabores e vegetarianos que goste de legumes e verduras”.
Toque de mestre na receita
Longe de grandes “invencionismos”, há como inovar mesmo sendo fiel às raízes. Foi numa viagem a Valência, na Espanha, que o chef Bernardo García, do Bení Kebab, experimentou aquele que qualifica como o “melhor falafel” de sua vida. “Eu fiquei muito apaixonado pelo gosto, era diferente de tudo o que eu já havia provado”, relembra ele.
Apesar de não ser uma receita tradicionalmente espanhola, o falafel também é bastante comum em diversos lugares de Europa, devido à imigração turca no continente. No tempo que esteve no destino, Bernardo buscou desvendar os ingredientes do falafel, bem como os temperos e a forma de preparo. De volta ao Brasil, passou meses tentando reproduzir exatamente aquilo que havia provado, até conseguir chegar no ponto certo do que lhe trazia a memória afetiva.
“Eu fui testando. Errei o ponto, coloquei mais alho, menos alho, percebi que o grão de bico não pode estar nem molhado e nem muito seco, e fui acertando o formato”, relembra Bernardo.
À primeira mordida, o seu falafel é bem verde e suculento, fruto da mistura das ervas coentro e salsinha. Outra adaptação foi o formato: abrindo mão da forma mais achatada, ele preferiu optar por bolinhas “perfeitas” – em uma porção, servida com molho de iogurte e picles de cebola, um diâmetro diferente entre elas torna-se praticamente imperceptível.
“Boleamos um por um e tiramos bastante o líquido da massa, para que ele fique bem firme. E não usamos nenhum tipo de farinha. As ervas do tempero já possuem seus próprios óleos, que ajudam a dar liga, assim como o grão de bico triturado”, explica a receita.
Já na versão do Bitaca da Leste, o pulo do gato é o feijão andu, que fica de molho de um dia para o outro. “Ele fica bem molinho para processar com um pouco de sal. Esse processo vai me ajudar na consistência na massa. O falafel fica mais aerado, o que dá uma diferença no sabor. A farinha de mandioca com um pouco de castanha de caju triturada também ajuda a dar o ponto”, explica o chef Luiz Paulo Mairink.