Eles ainda não são badalados nos programas de televisão, nem são parados no salão para aquela selfie meio desajeitada entre uma garfada e outra. Mas os comensais mais atentos já perceberam: tem gente nova no comando das cozinhas de Belo Horizonte fazendo por merecer um destaque.
As propostas autorais desses chefs são tão diversas quanto ousadas. Vão desde fortes influências italianas e francesas à busca pela cozinha afetiva – seja aquela das nossas avós, seja das nossas férias –, passando ainda pelo encontro inusitado entre Minas Gerais e Japão.
Dos cinco chefs entrevistados, somente Bruna Haddad, que encabeça o Zuzunely, nasceu em Belo Horizonte. A chuvosa Inglaterra, aliás, é muito mais marcante na vida de Alessandro Sofia e João Paulo Oliveira, que comandam O Italiano e o Gomez, respectivamente. Já Renata Queiroz, do Canja, e Zito Cavalcante, do Padú Cozinha Festiva, têm a vivência no interior do Brasil como referência.
O que todos têm em comum, no entanto, é que antes de decidirem encarar o comando das próprias panelas, eles tiveram experiências em diversas outras cozinhas, trabalhando com veteranos. Ainda assim, os bons currículos não valeriam nada se o resultado final fosse medíocre. Felizmente, não é o caso.
Na mesa, o resultado tem sido de dar água na boca. Apesar de serem recentes, com no máximo um ano de inauguração, todos os estabelecimentos comemoram salões cheios, onde os chefs dificilmente dão pinta – não conte com aquela selfie desajeitada. O que, aliás, é um alívio. Sinal de que a comida vai estar excelente.
Mudança para extravasar a criatividade
João Paulo Oliveira // Gomez
Rua Tomáz Gonzaga, 641, Lourdes. Tel.: 99922-5300
Foi a vontade de criar um cardápio próprio, com sua cara, que fez João Paulo Oliveira pedir demissão após quatro anos no cobiçado cargo de subchefe no badalado Glouton, do chef Léo Paixão. “Um sous chef tem que ter um respeito, não pode dar palpites demais. Mas eu precisei criar minhas coisas”, conta o chef de 33 anos. As suas receitas podem ser conferidas no recém-inaugurado Gomez, que, inclusive, fica próximo ao Glouton. Entre elas, estão o tian de aubergine, uma lasanha de berinjela grelhada, servida com molho de tomate e mussarela de búfala, finalizada com pesto de manjericão, e releituras como o boeuf bourguignon desconstruído, que chega à mesa com bacon, cebola baby e cogumelos servidos em guarnições separadas.
A clara influência francesa vem, curiosamente, da Inglaterra, onde ele desembarcou com apenas 19 anos. Como muitos imigrantes, encontrou trabalho ajudando na limpeza das cozinhas dos restaurantes de Bath, a cerca de 150 km de Londres, entre eles um bistrô francês. Ao longo dos oito anos seguintes, ele saiu das pias para o comando das panelas. “A culinária mineira tem muito da francesa. Um coq au vin, por exemplo, tem tudo a ver com o nosso frango com quiabo. Meus métodos podem ser franceses, mas nossos ingredientes são todos mineiros”, conclui.
Experiência estrangeira
Alessandro Sofia // O Italiano
Rua São Vicente, 155, Olhos D’Água. Tel.: 3288-3052
Nascido na Mooca, em São Paulo, o chef Alessandro Sofia, 43, admite que nunca havia pensado em morar em Belo Horizonte. Mas após passar 20 anos em Londres, ele recebeu, assim que chegou ao Brasil, um convite do grupo Chalezinho, que procurava um nome para assumir a cozinha de um novo empreendimento. Foi a senha para que ele se mudasse para a capital mineira e abrisse, no fim do ano passado, O Italiano, casa dedicada ao estilo que tem sido chamado de italiano contemporâneo, mais leve e variado. Por lá, pedidas como o polvo na brasa, servido com batata dourada, purê de cebola e couve crocante, e o tiramisù, com mascarpone autêntico, têm provocado filas na porta da casa do bairro Olhos D’Água.
“A minha cozinha é totalmente europeia”, explica. “Então prezo muito por uma padronização, uma consistência, e os melhores ingredientes, sempre”, afirma.
Ciente da importância que a gastronomia tem para os mineiros, ele garante que não se intimidou com a missão de representar um lado mais moderno da cozinha do país da bota em Belo Horizonte. Inclusive, ele já planeja a inserção de ingredientes mineiros em suas receitas. “Quando eu cheguei, percebi que a referência da comida brasileira está em Minas. O doce de leite, o torresmo, o feijão-tropeiro. Então já estou estudando jeitos de incluir ingredientes daqui, principalmente os queijos”, detalha. “Mas sem perder a nossa característica, que é italiana”, conclui.
Herança de peso, mas com afeto
Bruna Haddad/ Zuzunely
Rua do Ouro, 71, Serra. Tel.: 99110-2830
O sobrenome famoso no meio gastronômico da cidade não deixa dúvidas: Bruna é filha de Beto Haddad, chef que fez história na cidade com restaurantes de cozinha oriental, como o Bangkok e o Kyoto. Apesar da influência do pai, a cozinheira de 25 anos afirma que suas grandes referências são suas avós, Zulmira, a Zuzu, e Nely, que batizam o seu restaurante. Uma das provas disso é que o salão funciona no quintal de um casarão na rua do Ouro, o que ajuda a dar um climão de almoço de fim de semana nas casas das matriarcas. A outra é que o cardápio, que é trocado toda semana, reza na cartilha da comida afetiva.
“Quero que as pessoas se sintam acolhidas pela minhas receitas. Eu gosto de quem come e fala: ‘Ah, parece a lasanha da minha mãe, a torta da minha tia’. É isso que eu procuro”, conta Bruna, que também é formada em nutrição. Para chegar a esse resultado que fala diretamente com a memória gustativa, praticamente tudo que vai ao prato é feito do zero, sem a ajuda de ingredientes ultraprocessados. “Minhas avós não usavam molho pronto, enlatados. Eu também não uso”, garante Bruna.
Saudades daquele verão na praia
Zito Cavalcante // Padú Cozinha Festiva
Rua Leopoldina, 639, Santo Antônio. Tel.: 3143-0802
Assim que entrou na casa de esquina que já abrigou bares como O Audaz e o Ora Bolhas, no bairro Santo Antônio, o chef Zito Cavalcante, 32, soube que havia encontrado o lugar para o seu Padú Cozinha Festiva, que abriu as portas em outubro. “Era tudo que eu queria: um lugar de bairro, para atender vizinhos”, explica o cozinheiro, que só foi conhecer Belo Horizonte em 2014, durante uma viagem de 50 dias pelo Brasil afora. Apaixonado por uma mineira, o cabo-friense acabou se mudando definitivamente para a capital no ano seguinte, onde criou o projeto A Panela, que se autointitulava um “antirrestaurante” e durou quatro anos. “Eram jantares semanais com desconhecidos compartilhando mesas, e um cardápio totalmente surpresa”, recorda.
Já no Padú, ele evita o rótulo de comida afetiva. “Queria trazer uma coisa nostálgica, que remetesse não à casa da vovó, mas à férias na praia. Chique, mas que te permite estar à vontade”, conta. Para quem se refestela em pedidas como pastéis de feijoada – que levam no recheio apenas as carnes de porco cozidas no caldo do feijão preto – e um torresmo enrolado feito à moda paulista, difícil é não concordar com ele.
Lámen com sotaque mineiro
Renata Queiroz // Canja
Avenida Getúlio Vargas, 1.620, Savassi. Tel.: 3267-5433
Enquanto procurava um lugar em Belo Horizonte para abrir um restaurante, a chef Renata Queiroz, 31, emendou uma conversa com o também cozinheiro Fábio Luppi. Entre uma cerveja e outra, perceberam que a capital não tinha um espaço dedicado aos lámens, espécie de sopa oriental que vem conquistando espaço. Foi assim que a dupla idealizou o Canja, que abriu as portas em agosto. No cardápio enxuto, a influência mineira dá uma cara própria aos pratos. O lámen de frango e curry, por exemplo, ganha a companhia do ora-pro-nóbis, enquanto o cookie leva fubá na sua composição. Ela garante, porém, que não é nada intencional. “Não tenho estilo definido, gosto de ‘mistureba’. Não quero educar o paladar de ninguém”, garante.
Nascida em Ouro Preto e formada na Le Cordon Bleu de Paris, ela ainda arruma espaço na agenda para reformular o Casa Glaura, que existe desde 2016 na sua cidade natal e planejar um restaurante de alta gastronomia em Belo Horizonte, Aquele mesmo que ela procurava um imóvel. “Meu objetivo é que cada lugar tenha uma identidade própria”, finaliza Renata.