Além do lixo

Se na natureza nada se cria e tudo se transforma, por que grandes cidades como Belo Horizonte ainda reciclam tão pouco? Entenda o que há por trás do lixo a partir da análise da coleta seletiva na capital

Além do lixo

Você sabia que diariamente produz um quilo de lixo? Para onde vai esse material? É possível torná-lo útil em vez de descartá-lo? Entenda o que há por trás do lixo produzido a partir da análise da coleta seletiva em Belo Horizonte

A população de Belo Horizonte produz, diariamente, 2.200 toneladas de lixo. Deste montante, apenas 5% é encaminhado para a reciclagem, o restante vai para o aterro sanitário de Macaúbas, em Sabará. O aterro, que pode receber até 21,88 milhões de toneladas de lixo, tem um contrato de 25 anos com a PBH e, desde 2008, já recebeu metade de sua capacidade. A questão do lixo vai além do ecologicamente correto, é estrutural.

Fonte: Jornal O Tempo


O ciclo do lixo não começa no descarte, especialistas apontam que ele é muito mais extenso do que se imagina. É preciso pensar desde a fase do consumo, quando se escolhe um produto tendo em vista suas possibilidades de reciclagem. “Para usar um exemplo simples, quando você compra a sua cerveja, você escolhe uma latinha, que em breve terá alguém recolhendo para ganhar dinheiro, ou a garrafa de vidro, que demora muito mais tempo para se decompor na natureza?”, questiona o professor Raphael Tobias de Vasconcelos Barros, do departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais.

Para ele, o ideal é iniciar este ciclo antes mesmo da compra do produto. "A gestão de resíduos preconiza uma hierarquia que tem como primeira ideia a de não produzir o resíduo sólido. Se isso não é possível que, ao menos, se diminua a produção. Depois disso, você pega o resíduo produzido e parte para a reciclagem. O passo seguinte é tratar o resíduo restante para que não agrida a natureza. E só então, quando não dá pra fazer mais nada com o restante deste rejeito, é que você parte para o modo sanitário, enterrando ou aterrando de forma controlada", explica.

A equação é muito simples. O ideal, segundo o professor, é que esse lixo se transforme 100% em recurso e 0% em rejeito. Mas como alcançar o ideal diante da parcela inexpressiva de lixo que é reciclado atualmente na cidade?

A saída é transformar a reciclagem em hábito e o lixo em possibilidades. Mas além disso, o poder público também deve agir como transformador e criar meios de induzir a população a adotar a sustentabilidade como preceito básico. É o que disserta Barros.

"De maneira geral nós cidadãos não somos suficientemente altruístas. A gente precisa de uma motivação qualquer para fazer as coisas, e quem deveria dar essa motivação é o poder público, já que ele foi constituído para zelar pelo bem comum. Não eximindo a responsabilidade individual. Cada um pode ter a sua própria atitude de respeito, iniciativa, colaboração e solitude ao meio ambiente, porque isso é bom pra todo mundo".

O incentivo pode vir em forma de intensivas campanhas de reciclagem, como acontece no Japão, país que já atingiu o ápice de 80% de lixo reciclado, ou mesmo dando descontos a quem recicla, como acontece em Barretos (SP) desde 2010, quando a prefeitura passou a abater parcialmente o IPTU dos moradores que adotam a coleta seletiva.

Já para o professor Ricardo Motta Pinto Coelho, do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, o caminho para a implementação de um projeto sério de coleta seletiva é colocar os programas de reciclagem nas mãos da iniciativa privada. "O governo entende a reciclagem como uma questão filantrópica, para apoiar comunidades carentes e cooperativas de catadores, mas isso não resolve o problema. A reciclagem tem que ser vista como negócio e não como filantropia, porque ela traz dinheiro e, inclusive, poderia até alavancar a economia do país", acredita.

Segundo ele, as epidemias propagadas pelo mosquito Aedes Aegypti, como dengue, chikungunya e zika, podem estar diretamente ligadas a forma de destinação do lixo no país, já que o acúmulo deste material se torna um vetor para o mosquito.

O que diz a lei

A lei sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de agosto de 2010, preconiza a “não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos”, o “estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços” e ainda a prioridade nas aquisições e nas contratações governamentais para produtos reciclados e recicláveis.

Em Belo Horizonte, o índice ideal de coleta seletiva ainda está longe de ser alcançado. Para os cerca de 2,5 milhões de habitantes, a gestão municipal disponibiliza apenas 85 contêineres de coleta seletiva pela cidade. Já a coleta seletiva porta a porta, serviço também disponibilizado pela prefeitura, só chega a 34 dos quase 500 bairros da cidade.

Como instrumento para fazer valer a norma, foi determinada ainda a criação regionalizada de planos de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos. O da capital mineira ainda não foi finalizado e deve ser um objeto de estudo que irá levar pelo menos 20 anos, segundo o órgão responsável.

O Plano Municipal de Resíduos Sólidos

Hoje, de acordo com a Lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, para um município receber verbas de entidades federais de crédito ou fomento da União para serviços relacionados à limpeza urbana e ao manejo de resíduos é preciso ter um Plano Municipal de Resíduos Sólidos.

Por isso, em 2014, a prefeitura de Belo Horizonte anunciou a criação do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, que evoluiu muito pouco desde então. Mesmo após uma audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Política Urbana na Câmara Municipal de Belo Horizonte, realizada no fim de 2015, a previsão é que o plano só seja concluído no segundo semestre de 2016.

"O Plano é um instrumento muito importante para estudar a gestão dos resíduos e pode levar a outros meios de se destinar o lixo, mas é um planejamento que envolve 20 anos. No meu ponto de vista, é impossível ter outros meios para dar fim a este material. Querendo ou não, o aterro sanitário é uma forma nobre de destinar o lixo", comenta.

Para o professor Raphael Barros, do departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG, o aterro é a melhor saída do ponto de vista sanitário, desde que isso aconteça em escala mínima. “O lixo do lixo", como denomina. "Mas do ponto de vista ambiental, não é o ideal", explica, ainda. "O melhor a se fazer é entender o lixo como recurso, e não como rejeito", conclui.

É também o que preconiza a Política de Resíduos Sólidos.

O Plano de Resíduos Sólidos da capital, por meio do Decreto 15.475/2014, estabelece a formação de um Comitê Diretor, composto por gestores e técnicos de órgãos municipais – como a Secretaria de Meio Ambiente de BH e a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) – que ficará responsável pela parte executiva do plano. Já o Conselho Consultivo terá 30 integrantes, metade do poder público e outra metade da sociedade civil, para debater o plano.

É possível acessar o plano, que ainda está em construção, clicando aqui.

Não reciclar custa mais caro

Se analisarem o IPTU de 2016, os belo-horizontinos irão perceber um aumento de quase 20% na taxa da coleta de lixo em relação ao ano passado. A justificativa é que, de acordo com um levantamento feito pela SLU, o custo do serviço em 2016 será de R$ 257.663.524,27, valor 19,41% maior do que o aplicado em 2015 - R$ 215.783.898,65. Essa taxa é calculada com base nos serviços públicos de coleta, transporte, tratamento e resíduos sólidos comuns, divididos por todos os imóveis da capital que têm acesso à coleta.

Desta forma, a taxa para domicílios com coleta em dias alternados é, atualmente, de R$ 274,45. Para as casas atendidas diariamente, R$ 548,90. Estes valores são cobrados por ano, e o contribuinte tem a opção de parcelar. Considerando que Belo Horizonte tem 2.502.557 habitantes, de acordo com o censo demográfico de 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, para cobrir o total de gastos estimados para este ano, seria necessária a contribuição de cerca de R$ 100 de cada um.

De acordo com o diretor de gestão e planejamento da SLU, Pedro Heller, o encarecimento do serviço não tem relação com a coleta noturna - já que demanda o pagamento de adicional noturno aos funcionários -, que passou a ser adotada em várias regiões da capital neste ano.

"A coleta noturna de resíduos é, de uma forma geral, uma tendência mundial, e se justifica muito pela busca da produtividade desta coleta, já que à noite você tem um fluxo melhor na destinação do lixo. Há uma menor disputa pelo trânsito, e, a partir do momento em que o uso da via é menos concorrido, você tem menos caminhões circulando durante o dia e chegando mais rápido ao seu destino durante a noite, fazendo com que o tráfego melhore na cidade", explica.

Como aderir

Muita gente tem vontade de adotar a coleta seletiva como hábito, mas, por falta de informação sobre como fazer, para onde levar ou como separar o lixo, acaba deixando a ideia de lado. O que muita gente não sabe é que a coleta seletiva acaba sendo mais fácil e prática do que se imagina. Quando transformada em hábito, se torna algo automático, como escovar os dentes.

Não é preciso ter em casa vários cestos de lixo, separados por cada tipo de material. Associações e organizações que atuam diretamente com os catadores de materiais recicláveis também realizam essa triagem. Basta limpar e levar o material seco (embalagens, papel, plástico, alumínio, vidro, entre outros) em algum ponto de coleta ou entregar aos catadores que passam pelo seu bairro.

Outra opção é a iniciativa privada. Algumas empresas se encarregam de ir até a sua casa, recolher o seu lixo com uma frequência programada e dar a destinação ambientalmente correta mediante um pagamento mensal.

Quem recicla

Moradora do bairro Planalto, região Norte de Belo Horizonte, Nívia Machado conta que passou a adotar a prática há cerca de um ano, seguindo o exemplo da mãe, que realiza a coleta seletiva há cinco anos. "Minha mãe morou no exterior por muitos anos, e lá isso é comum. Quando ela vinha passar as férias aqui, sempre nos incentivava a fazer isso", conta.

"Começamos aos poucos, separando só latas e garrafas de vidro. Depois, resolvemos separar bandejas de isopor, recipientes de plástico, embalagens de papel... Lavamos, tiramos os restos de produtos, enxugamos e colocamos no saco de lixo. Depois, levamos ao ponto de coleta seletiva do bairro. Eu acho que o que mais dificulta é isso. O ponto daqui fica a cerca de seis quarteirões da nossa casa. Acho que, se essa coleta fosse residencial seria mais fácil", opina.

Ela também aponta que se houvesse mais campanhas para incentivar a população a reciclar o lixo, como abatimento em impostos ou algum tipo de bônus para quem entrega, seria ainda mais fácil ganhar a adesão da maioria das pessoas.

A professora Natália Tavares, de 26 anos, conta que no bairro onde mora, o São Cristóvão, na região Noroeste de Belo Horizonte, não há, pela prefeitura, um serviço de recolhimento deste material reciclável. A forma que ela encontrou de para fazer a sua parte é separar o lixo durante um mês e, então, levar de bicicleta ao ponto de coleta seletiva localizado na avenida João Pinheiro, no centro da capital.

"Acho que deveria ter mais pontos de coleta espalhados pela cidade. Muitos deles são bastante depredados. Às vezes, a gente chega para deixar o material, e os contêineres estão bagunçados ou alguém colocou fogo ou abriu e espalhou o lixo", conta.

A falta de coleta seletiva em algumas cidades, como Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte, faz a professora Maria Assunção Madureira, de 56 anos, ir até a cidade vizinha, Pedro Leopoldo, a cerca de 25 quilômetros de distância, para levar o material.

“Meu pai mora em Pedro Leopoldo, e, lá, eles passam recolhendo os materiais recicláveis toda segunda-feira , aí eu separo todo o lixo seco em uma sacola e levo quase toda semana. Quando não dá pra ir, eu deixo na lixeira do prédio mesmo, mas aí não sei a destinação que eles dão. Comecei a fazer a coleta há dois, anos porque eu vi que esses materiais, como vidro e plástico, levam muitos anos para serem decompostos na natureza. O meio ambiente sofre com isso, e nós também”, conclui.

Além da reciclagem

Moradora do bairro Santa Branca, na região da Pampulha, a professora Patrícia Rezende realiza a coleta há 17 anos e ainda promove a destinação de alguns materiais por conta própria. Ela conta que começou a adotar a prática quando, em uma palestra na escola onde trabalha, uma representante da SLU disse muitas coisas que chamaram a sua atenção sobre o assunto.

"Ela colocou um desenho da Terra lotada de lixo e disse que a gente não teria mais lugar. E que, ao colocar o lixo na porta de casa, a gente acha que o problema está resolvido, mas não estava. Hoje sei, por exemplo, que reduzir o consumo é até mais válido do que reciclar, porque assim você não ou produz muito menos lixo. Porque reciclar também consome energia, né?", lembra.

Ela leva os materiais recicláveis aos pontos de coleta seletiva da prefeitura, mas muita coisa continua com ela para ser usada mais vezes, como potes de plásticos e sacolas reutilizáveis. "Carrego vários recicláveis no carro porque às vezes uso em sala de aula ou em viagens de carro. Além disso, tem uma loja de tecidos perto da minha casa onde a dona usa sacolas reutilizáveis para entregar aos clientes e aí sempre levo pra ela quando ganho alguma ou vejo alguém jogando fora".

Já as caixas de ovos e sacolas de papel ela doa para um sacolão perto de sua casa. "E evito ao máximo embalagens de isopor porque não se reciclam. Só compro de papelão ou de plástico". Quanto aos lacres de latinhas, ela junta todos em casa para doar ao projeto Lacre do Bem, criado pela vencedora do Prêmio Bom Exemplo de 2014, Júlia Macedo, que hoje tem 11 anos. A campanha foi criada para arrecadar lacres de latinhas de alumínio em troca de cadeiras de rodas. Em dois anos o projeto já doou 55 cadeiras e reciclou mais de 5 toneladas de alumínio.

Os papéis brancos para uso pessoal ou utilizados na escola, Patrícia nunca joga fora, mesmo quando usados. "Se o outro verso estiver vazio, eu uso como rascunho", conta.

Segundo ela, o trabalho que tem para ser ambientalmente responsável é compensado pela consciência tranquila de estar fazendo a sua parte. "Acredito que essa produção exagerada de lixo acumula até energia negativa. Eu sou bem feliz fazendo a coleta seletiva. Nunca foi sacrifício nenhum para mim, é um ato de libertação", pontua.

Compostagem

A engenheira ambiental do Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (INSEA), Júlia Tunes, lembra que, para os materiais orgânicos, há a opção de se fazer a compostagem e, assim, criar adubos potentes para hortas orgânicas, por exemplo.

"O mais volumoso do resíduo que a gente gera é o orgânico, que são cascas, frutas e verduras, mas reaproveitar esse material orgânico é muito fácil. Você pode fazer uma compostagem que, dependendo do monitoramento, vai te dar um adubo de excelente qualidade", diz.

É possível comprar composteiras pela internet e em empresas que comercializam composteiras domésticas do tamanho exato para a família. Além disso, também é possível criar a própria composteira em casa e fazer o tratamento do chorume para ser usado nas hortas e o adubo.

É o caso da jornalista Rosaly Senra, de 56 anos, que mesmo não tendo plantas em seu apartamento, mantém um minhocário e doa os fertilizantes e adubos produzidos ali. “O minhocário é próprio para cuidar dos orgânicos, você pode colocar ali tudo o que não for ácido como cebola e alho, excluindo também os alimentos de origem animal”, explica.

São as minhocas que se alimentam dos orgânicos e produzem o adubo de ótima qualidade, além do chorume. “São três ou quatro caixas, e embaixo sai esse líquido, o chorume, que é um biofertilizante fortíssimo. Para se ter uma ideia é necessário dissolvê-lo em uma proporção de 90% de água e 10% chorume para borrifar nas plantas”, diz.

Como não tem plantas em casa, o material é doado pela jornalista a pessoas que têm hortas ou mantém plantas em casa.

Coleta nos municípios

Em Belo Horizonte, o site da prefeitura disponibiliza a localização de todos pontos de coleta na cidade (veja aqui).Nos outros municipios, o morador deve procurar a prefeitura para saber qual o ponto mais próximo.

A capital também trabalha com a coleta porta a porta, quando os materiais são separados pelos moradores e colocados na calçada para serem coletados por equipes da SLU. No entanto, essa modalidade de coleta só atende a 34 bairros atualmente e é realizada uma vez por semana. O material deve ser acondicionado em sacos plásticos, de preferência transparentes, e dispostos em frente ao local da coleta no passeio a partir de 8h.

Veja se o seu bairro está na lista:



Há também pontos de coleta em grandes redes de supermercado, como o Carrefour, o Super Nosso e o Verdemar.

Segundo a prefeitura de BH, a média diária de resíduos recolhidos para reciclagem é de 18 toneladas e o material é destinado para associações e cooperativas de catadores e trabalhadores com materiais recicláveis e integrantes do Fórum Municipal Lixo e Cidadania de Belo Horizonte.

Já em Contagem, na região metropolitana da capital, a coleta seletiva é feita nos prédios públicos, escolas municipais, empresa, indústrias, pontos comerciais e em nove bairros da cidade (Central Park, Monte Castelo, Água Branca, JK, Novo Riacho, Nossa Senhora do Carmo, Camilo Alves, Arvoredo e São Joaquim). Além disso há 92 Locais de Entrega Voluntária espalhados pela cidade, e também a coleta porta-a-porta, que conta com três caminhões.

Só em 2015 foram recolhidas mil toneladas de materiais recicláveis.

Em Betim, a coleta seletiva é realizada nos domicílios, segundo a prefeitura. O material coletado é encaminhado para a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis de Betim (Ascapel), responsável por separar, pesar e comercializar o material. No último trimestre do ano passado foram coletadas 32,5 toneladas de materiais diversos.

Uma outra opção é a contratação de empresas particulares que recolhem lixo reciclável em casas, empresas e indústrias de Belo Horizonte e região metropolitana. Uma delas é a Coleta BH, que há cerca de um ano atende a demanda por reciclagem em pontos que a prefeitura não chega.

O serviço é feito de acordo com a demanda do cliente. Tem coletas que são feitas quinzenalmente, semanalmente, mensalmente e até diariamente. No caso de um cliente que solicita a coleta de forma semanal, por exemplo, o valor pago é de R$ 200 por mês. O preço varia conforme a demanda e o serviço.

Basta o cliente separar em uma sacola todo o lixo seco, como papeis, plásticos, vidros e metais, que a própria empresa faz a triagem. O lixo orgânico e de banheiro não pode ser misturado a este. Após o coleta o material é doado a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reciclável de BH, a Asmare.

Agentes ambientais

Além dos programas de coleta seletiva estabelecidos pelo próprio município, há entidades sem fins lucrativos que também absorvem boa parte deste trabalho. Uma delas é o Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (INSEA), que atua em Minas Gerais, Espírito Santo e no Amazonas. Em Minas, o trabalho é feito na Zona da Mata, Triângulo Mineiro, Sul de Minas, Norte, Vale do Aço, além de Belo Horizonte e região metropolitana.

A entidade realiza uma parceria com os municípios e as organizações de catadores de materiais recicláveis para otimizar a coleta seletiva e também promover a inclusão social.

O trabalho mobiliza diversos profissionais como engenheiros, psicólogos, administradores, economistas e assistentes sociais, que atuam dentro das associação de catadores capacitando estes trabalhadores e realizando a roteirização dos caminhões de coleta seletiva desde a mobilização na casa das pessoas.

"A gente acredita que o melhor tipo de mobilização é o porta a porta, onde o morador conhece o catador e cria esse vínculo. Isso acontece muito no interior, onde alguns moradores já ficam na porta de casa esperando o catador que eles conhecem", explica a engenheira ambiental do INSEA, Júlia Tunes.

A outra parte do trabalho é o monitoramento da coleta. "A gente verifica o tanto de resíduo que está entrando nessas associações e se houver muitos resíduos molhados, por exemplo, fazemos um trabalho de remobilização nas casas para melhorar essa coleta seletiva", explica.

Isso porque, para a reciclagem, os resíduos devem ser secos. É necessário secar as embalagens, retirar todo o resto de produto antes de encaminhar para a coleta. O resíduo molhado pode atrair alguns tipos de vetores, como ratos e baratas.

Em BH, Júlia cita como exemplo deste trabalho a Cooperativa Solidária de Trabalhadores e Grupos Produtivos da Região Leste (Copersol Leste), um projeto piloto realizado há três meses que abrange o bairro Floresta e parte do bairro Colégio Batista. A ideia é implantar o mesmo serviço em toda a cidade.

"A coleta seletiva em BH ainda é muito precária. Na mão dos catadores ela tem uma expansão enorme, mas pela prefeitura ela atinge apenas 1% da populção", diz. Ela conta que "90% da coleta seletiva da cidade passa pelos catadores, muitos deles ficam ali na Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (Asmare), que consegue um preço justo para os associados. Mas muitos catadores que não são associados acabam ficando na mão dos atravessadores, que são as empresas que compram esse material a um preço irrisório para vender para grandes indústrias", pontua.

A engenheira ambiental também lembra que a discriminação que muitas vezes os catadores sofrem, não condiz com a importância do trabalho que eles realizam. "Os catadores de materiais recicláveis são mais do que isso, eles são agentes ambientais, e fazem o trabalho que todo mundo deveria fazer em casa. Por isso, devem ser tratados com mais dignidade", esclarece.

É o que pontua o educador ambiental da Asmare, Alfredo Souza Matos. “Aqui nós recolhemos o que o povo joga fora e diz que é lixo. Além de tirar isso das ruas, nós cuidamos do meio ambiente e, com isso, ganhamos o nosso sustento.

A Asmare foi fundada em 1990 por 20 catadores de papel e hoje, conta com 120 associados. “Ela foi criada com intuito de dar trabalho e renda para moradores de rua. Foi a segunda do Brasil e, se hoje existem muitas associações espalhadas pelo país, tudo começou aqui”, diz Matos.


Uma das fundadoras da associação, Maria das Graças Marçal, mais conhecida como Dona Geralda, conta que nestes 25 anos muita coisa mudou. “Os catadores não eram vistos como trabalhadores, mas como marginais. Antigamente, antes da Asmare, muitas vezes eu acabava de catar papel e ia lanchar, mas as pessoas me empurravam falando que eu estava suja. Além disso, o que mudou também foi a consciência ambiental. Quando comecei a catar papel, com 8 anos de idade, eu não sabia nada sobre isso. Hoje eu também separo o lixo em casa, igual faço aqui na Asmare”, conta.

Ainda conforme o educador ambiental Alfredo Matos, grande parte da população já parece ter certa consciência ambiental, mas, mesmo assim, muitos ainda fazem errado. "Muita gente não tem interesse, muitos dizem não ter tempo, e muitos dizem não conhecer. Mas a verdade é que todos sabem da sua obrigação".

Atravessadores

Com a falta de polos industriais de materiais como papel, vidro e plástico em Belo Horizonte, muitas vezes as associações de catadores de materiais recicláveis não conseguem acesso direto às indústrias e acabam se tornando reféns das empresas “atravessadoras”, que compram os materiais recicláveis dos catadores e associações a preços insignificantes e vendem por preços exponencialmente superiores para as indústrias, a maioria delas, alocadas em outros Estados.

Segundo o educador ambiental da Asmare, Alfedo Matos, para se ter uma ideia, os atravessadores pagam apenas R$ 0,02 pelo quilo de vidro.

“O material que chega aqui é separado por cada tipo. O catador ganha em cima do que ele cata. Papel, papelão, revista, jornal, garrafa pet, plástico branco, plástico colorido, tudo isso é separado, pesado e prensado, e depois vendemos para os atravessadores”. Ele acredita que deveria haver um maior reconhecimento dos governos federal, estadual e municipal no sentido de dar um incentivo maior às associações e cooperativas, o que ainda não acontece.

Transformação

Foi o químico francês Antoine Lavoisier, precursor da teoria da conservação de massas, que cunhou no século XVIII a famosa frase: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. A verdade atravessou os séculos, mas ainda não é aplicada como deveria, apesar de todos os avanços tecnológios e conhecimentos científicos capazes de alavancar com facilidade a lógica da reciclagem.

O princípio da reutilização dos materiais faz contraste com a sociedade de consumo e a dita “obsolecência programada”. Muitos produtos já saem de fábrica com uma vida útil pré-estabelecida. Paralelo a isso, quando se muda a função de um objeto, sua perecibilidade é questionada e sua vida útil passa a ser ilimitada.

Com o aparato das indústrias, os materiais passam por uma série de modificações para serem transformados em outros produtos. O plástico, por exemplo, pode se transformar em mangueiras de jardim, garrafas plásticas, sacolas, bacias, baldes, carpetes, cabides, sacos para dormir, peças para carros, pincéis de pintura, cordas, lonas, entre muitas outras aplicações.

Já o papel pode ser transformado em caixas de papelão, papel higiênico, guardanapos, caixas de ovos, cartões, envelopes, entre outros. Com o metal descartado é possível fazer latas de refrigerante, tesouras, maçanetas de portas, arames, peças para carros e tantos outros objetos. Assim como o vidro que, além de frascos, potes e garrafas, também pode se transformar em fibra, e a partir daí, se tornar matéria prima para outra série de produtos.

Séculos de poluição

Fonte: Ministério do Meio Ambiente


Expediente

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