Drama interminável
Parentes de soterrados pela lama em Brumadinho vivem tragédia sem fim
Onze vítimas do desastre em estrutura da Vale, que completa um ano amanhã, continuam desaparecidas
24/01/20 - 04h00
Enterrados pela imensidão da lama, 11 corpos ainda têm como cemitério o local do rompimento da barragem I da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Enquanto bombeiros escavam o barro para tentar localizar as vítimas do desastre, que completa um ano amanhã, familiares dos desaparecidos vivem uma tragédia sem fim à espera do dia em que vão, finalmente, poder velar seus mortos.
“Há um ano, a gente acorda com a esperança de que pode ser hoje o dia em que o pessoal do IML (Instituto Médico-Legal) vai falar que minha irmã foi identificada. Na verdade, nós viramos escravos dessa notícia”, desabafa a professora Natália Oliveira, 48. Ela ainda aguarda a localização de Lecilda Oliveira, 49, funcionária da Vale por 30 anos e uma das 270 vítimas soterradas pelo mar de lama da mineradora.
Quando fala da tragédia, Natália se revolta ao pensar em tudo que a irmã deixou de viver. “A Lecilda estava realizando o sonho de ver o filho se formar. Ela queria ser avó, e tudo isso foi interrompido”, lamenta a professora, que descreve a parente como uma pessoa alegre e positiva: “Quando eu penso nela, imagino que ela gostaria que a gente estivesse bem”.
Na casa da técnica de enfermagem Josiana de Souza Resende, 31, a família se sente aprisionada ao dia 25 de janeiro de 2019. Naquela tarde, ela soube que a irmã Juliana Creizimar de Resende Silva, 33, estava entre as vítimas soterradas pela lama da barragem. Quase um ano após a tragédia, Juliana permanece entre os desaparecidos. “Para nós, nada mudou desde aquele dia porque a gente ainda aguarda. O desespero e a angústia se intensificam por causa da espera”, lamenta Josiana ao olhar o retrato da irmã mais velha.
Funcionária da Vale, Juliana deixou dois filhos gêmeos, que, na época, eram bebês de colo. O pai das crianças, que trabalhava na mineradora ao lado da mulher, também morreu na tragédia, mas o corpo dele já foi localizado. Aos órfãos, que agora têm 1 ano e 10 meses, restou o consolo de serem criados pelos avós maternos.
“Às vezes, os gêmeos apontam para as fotos dos pais e, quando entregamos o porta-retrato, eles viram a foto, como se estivessem procurando minha irmã e meu cunhado. É muito triste porque, por mais amor que a gente dê, eles nunca vão ter o pai e a mãe deles de volta”, emociona-se Josiana, que também trabalhava na Vale. Ela só escapou da tragédia porque estava de folga no dia do rompimento.
‘Luto aberto’. Para os familiares das vítimas, o fato de os corpos não terem sido encontrados deixa o sentimento de “luto aberto”. Se, no dia do desastre, predominava a esperança de localizar os entes queridos com vida, um ano depois, o que os parentes mais querem é encontrar os restos mortais das vítimas para encerrar um ciclo.
“Nós nos vimos em uma situação muito difícil no Dia de Finados porque não sabíamos para onde ir. Não tínhamos um lugar para colocar flores nem fazer uma oração. Essa data foi dolorosa. Então, nós decidimos ir para o marco de Brumadinho”, relembra Josiana. “O medo que a gente tem de isso ser para sempre nos aterroriza. Quem já fez um sepultamento sabe onde que seu ente está. A gente vai lá naquela lama, olha e clama a Deus para encontrar, porque cada corpo resgatado é quase um milagre”, compara Natália.