Entrevista
Vanessa Portugal pretende desapropriar imóveis vazios
“O Estado tem que assumir sua função de diminuir a desigualdade social e prestar serviço para a população, que paga impostos para isso. Ele não pode usar os nossos recursos para a iniciativa privada. Acreditamos que as PPPs não são alternativas para nenhuma área.”
Empresas e pessoas físicas que possuem imóveis desocupados na cidade terão os prédios desapropriados em um eventual governo de Vanessa Portugal à frente da Prefeitura de Belo Horizonte. A candidata do PSTU foi a terceira entrevistada na série com os 11 postulantes ao Executivo promovida pelos jornais O TEMPO e Super Notícia e pelo Portal O Tempo. Vanessa defende a desapropriação de imóveis para minimizar o déficit habitacional e afirma que eventuais indenizações não serão pagas em casos de especulação imobiliária.
Na entrevista transmitida ao vivo pelo Facebook na tarde desta segunda-feira, Vanessa respondeu perguntas de internautas sobre educação, criminalidade, transporte e saúde. A candidata afirmou que, se eleita, vai investir 30% do orçamento da prefeitura em educação, incluindo valorização dos servidores. “Estamos propondo aumentar os percentuais nessas áreas (saúde e educação) justamente para garantir uma boa remuneração e mais contratações”, afirmou.
Perguntada sobre qual seria o papel da prefeitura para minimizar a criminalidade, a candidata nacionalizou o tema: “Se a reforma da Previdência passar, se a reforma trabalhista passar (...), (a violência) vai piorar porque o que gera o problema de violência, no nosso entendimento, é a grande desigualdade social que existe no país”.
Em relação a suas propostas para melhorar o transporte público, a candidata do PSTU propõe estatizar o serviço, ou seja, passar para a prefeitura a responsabilidade e a gestão do sistema de ônibus e Move. Vanessa, contudo, não soube precisar qual seria o impacto financeiro desta medida para os cofres da prefeitura. “Se a gente destinar um percentual do Orçamento para o transporte, em quatro anos é possível chegar nisso (estatização)”, disse.
Confira abaixo os principais pontos da entrevista com Vanessa Portugal, que teve duração de 30 minutos:
Você é candidata desde 2004. Como fazer diferente em 2016 e ter um resultado melhor?
O resultado que esperamos passa por dois pontos: o primeiro, mais claro, são os votos nas urnas. Mas tem outra coisa que para nós é importante: conversar com os trabalhadores e com a juventude sobre aquilo em que nós acreditamos, que é a necessidade de se organizar e se mobilizar para mudar a realidade. Não queremos passar para essa classe a impressão de que basta votar numa pessoa iluminada, e os problemas irão se resolver. Achamos que as coisas mudam com muita luta e com muita organização. Esse resultado também é importante para nós nas eleições.
Como fazer para que as pessoas participem de forma direta da administração da cidade?
É necessário criar conselhos populares deliberativos nos bairros e regionais e dar a eles o poder de deliberação para que, de fato, as pessoas possam participar, interferir e construir um governo da cidade. Agora, não tenhamos ilusão: sempre terá que haver um grau de enfrentamento com a Câmara Municipal. E achamos que isso é possível se houver bastante participação popular, se (o Executivo) estiver aliado com as organizações que representam a classe trabalhadora.
Você é de um partido de esquerda em um momento em que temos um Congresso bem mais à direita do que em outras épocas. Você avalia que a esquerda está em crise no Brasil e em países da América Latina?
Quem está em crise não é a esquerda, são os partidos que saíram da esquerda e entraram na regra do jogo dessa governabilidade maluca, que só retira o direito das pessoas. A esquerda verdadeira, aquela que está aliada à classe trabalhadora e que luta por seus direitos, está em um bom momento, porque cresceu a indignação da população e crescem também os processos de luta e de manifestação. Não há que se dizer que estamos em crise.
Você faz muitas críticas às obras realizadas por Parceria Público-Privada (PPP). Qual o grande defeito deste modelo? Ele é aplicável em algum setor?
Isso é uma privatização. Quando as privatizações ganharam peso no Brasil, eram do modelo tradicional: colocou-se a placa de “vende-se” e se vendeu a Vale do Rio Doce, os bancos, e por aí vai. Mas, com o desgaste dessa forma, criaram-se outras, como as PPPs, que são, na verdade, transferências de recursos públicos para a iniciativa privada em áreas essenciais. Isso tem que ser rompido. O Estado tem que assumir sua função de diminuir a desigualdade social e prestar serviço para a população, que paga impostos para isso. Acreditamos que as PPPs não são alternativa para nenhuma área.
Como integrante da rede municipal de ensino, você pretende acabar com a chamada “aprovação automática”?
A aprovação automática é um problema, mas não é o maior problema da rede municipal de ensino. Não temos acordo com a aprovação automática, mas temos com mecanismos que façam com que os alunos progridam. Porque não investir no planejamento das aulas, no atendimento à criança e fazê-la fica repetindo o ano seguidamente, isso também não resolve.
Qual é o grande problema, então?
A ausência completa de investimento no tempo de planejamento do professor, na carreira do trabalhador e no número de estudantes em sala. Não é possível que a gente não tenha um planejamento para atender as necessidades e as dificuldades daquela criança para que ela possa progredir.
E você já tem uma proposta para resolver isso?
30% do Orçamento da cidade precisa ser investido na educação. Nos últimos anos, tem sido investido entre 15% e 19%. Para que 30%? Primeiro, para que a carreira do professor seja respeitada, para que o educador infantil tenha carreira igual à do professor do ensino fundamental – porque esse é um estímulo ao estudo, o profissional tem que estudar para melhorar sua qualidade –, para garantir tempo de planejamento e reduzir o número de meninos na sala de aula. A criança precisa ser individualizada.
Você fala em 30% para educação, 5% para resolver o déficit habitacional, além de um percentual de investimento na saúde. Cabe tudo isso no Orçamento?
Cabe. Eu tive o cuidado de somar todos os percentuais para não passar de 100%. Acreditamos que a receita do município tem que ser carimbada: quanto mais carimbadas são as rubricas, menos possibilidade de distorções e desvios existe. Além da educação e da saúde, que são os investimentos mais grossos, temos a proposta (de investir) até 5% do Orçamento para (resolver) o déficit habitacional. Não existe uma atualização dos números de déficit habitacional e de imóveis disponíveis na cidade. Isso precisa ser investigado mais a fundo. Também achamos que tem que ser destinado um percentual fixo para a cultura e para o transporte. E (somando tudo) dá menos de 100%.
E quando a senhora fala de imóveis disponíveis e desocupados, como seria essa reutilização? Por meio de desapropriação ou de pagamento de indenização?
Depende da situação do imóvel. O último levantamento da Fundação João Pinheiro dava conta de que havia mais de 60 mil residências vagas na cidade. Isso (desapropriar sem indenização) só tem sentido se se trata de empresas que reservam os imóveis para especulação imobiliária. Nesses casos têm que ser desapropriados mesmo. Claro que aqueles imóveis que são de pessoas que os têm como complementação de renda estão numa situação diferente. (O proprietário) é um trabalhador que comprou um imóvel extra, fruto da própria estrutura que existe no país, e que precisa também ser disponibilizado para moradia, mas ele (o dono) não especulou.
Qual política você propõe para os reajustes dos servidores?
Nós não estamos propondo investir 30% na educação além do pagamento de professores ou do pessoal da ativa. Isso está na rubrica do que se investe na saúde, na educação, etc. Estamos propondo aumentar os percentuais nessas áreas justamente para garantir uma boa remuneração e mais contratações. Com relação à crise no país, há medidas que estão para ser aprovadas no Congresso e que, supostamente, são de combate à crise, mas, no nosso entendimento, vão fazer as prefeituras fecharem as portas. O que eles estão propondo é proibir, por 20 anos, de aumentar investimentos em saúde, educação, moradia etc. Por isso nós fazemos parte de uma frente contra essas reformas.
Qual sua proposta para melhorar a mobilidade urbana? É possível aumentar as ciclovias?
É, sim, possível fazer a expansão das ciclovias. Tecnicamente, falta mais a vontade política para fazer mesmo. Nós também pretendemos criar uma empresa municipal de transporte, o que é, na prática, estatizar. O transporte é um serviço público, obrigação do Estado e direito da população. Não é para dar lucro para alguém. Estamos propondo que o transporte seja municipalizado, que o lucro dos empresários seja destinado à redução das tarifas para que a gente possa chegar à tarifa zero e à melhoria da qualidade.
Quanto você acha que isso vai custar para o município?
Eu não tenho número e não vou chutar. Nós temos alguns estudos que provam que, se a gente destinar um percentual do Orçamento para o transporte, em quatro anos é possível chegar nisso (estatização).
A estatização implicaria no rompimento de contrato com as empresas e, certamente, viraria uma disputa judicial…
Não adianta votar em uma mulher-maravilha que vai resolver seus problemas. Por isso, junto com as propostas, chamamos as pessoas para que se organizem. Eu não tenho dúvidas de que quase tudo que propomos só será possível se a população estiver organizada e mobilizada para que essas coisas aconteçam. E vamos estabelecer, com o povo na rua, um diálogo com o Judiciário: ver se ele vai bancar o privilégio das empresas de ônibus. O que estou dizendo é que topo a briga.
Um internauta perguntou: a gente te elege para nos representar, e você quer ser eleita para nos ouvir?
Eu penso que essa é uma visão equivocada do internauta. Essa história de que “eu voto em você e você vai lá e me representa”... Primeiro, nós temos uma clareza em dizer para as pessoas que nós não somos um governo para todos, nós somos um governo para a classe trabalhadora. Mas mesmo dentro da classe trabalhadora que vive dentro da cidade, existem interesses diversos. Então, é necessário que tenha espaço de participação coletiva e cotidiana da população.
A ampliação do metrô é possível?
O metrô é uma luta real. Temos clareza de que, por si só, a prefeitura não constrói metrô, mas entendemos que é preciso fazer uma luta concreta em relação a isso. Belo Horizonte transporta minério de ferro em áreas centrais de urbanização como o Barreiro e não transporta pessoas. E isso é fundamental, porque, senão, trava o trânsito mesmo.
Como a prefeitura poderia promover a segurança na cidade?
Eu quero ser bem honesta com as pessoas: se a reforma da Previdência passar, se a reforma trabalhista passar, se as reformas que tiram dinheiro da saúde e da educação passarem, (a violência) vai piorar, porque o que gera o problema de violência, no nosso entendimento, é a grande desigualdade social que existe no país. E a prefeitura tem que atuar justamente para diminuir a desigualdade social, para fazer com que o salário das pessoas valha mais. Se você tem educação, se você tem saúde, se você tem transporte, seu salário vale mais. Se você tem política de moradia, seu salário vale mais. E isso diminui significativamente os problemas sociais e os problemas de violência.
Você é a favor do Orçamento Participativo (OP)?
Eu acho que o Orçamento Participativo nunca existiu. No melhor dos tempos do OP, você tinha 6% do Orçamento para que as pessoas disputassem entre elas essa pequena fatia. Mas elas nunca interferiram na forma como a cidade arrecada seus recursos, nas isenções de impostos que os governantes davam, as pessoas nunca decidiram sobre a totalidade do Orçamento.
Umas das grandes críticas que se faz à atual administração é sobre a gestão de ocupação dos espaços públicos...
É possível discutir isso com tranquilidade a partir dos conselhos. A prefeitura está entregando a cidade para a iniciativa privada, tomando medidas restritivas que têm a ver com a criminalização da pobreza. Isso, para nós, é um problema.
Qual sua proposta para melhorar o atendimento nas Upas e nos centros de saúde?
A gente tem que contratar mais pessoas. Tem um estrangulamento do número de trabalhadores dentro desses locais, inclusive de médicos.
Série de entrevistas
Confira as datas das entrevistas ao vivo pelo Facebook, sempre às 14h:
1.9: Alexandre Kalil (PHS)
2.9: Maria da Consolação (PSOL)
5.9: Vanessa Portugal (PSTU)
6.9: Eros Biondini (PROS)
8.9: Délio Malheiros (PSD)
9.9: Marcelo Álvaro Antônio (PR)
12.9: Rodrigo Pacheco (PMDB)
13.9: Luis Tibé (PTdoB)
14.9: João Leite (PSDB)
15.9: Sargento Rodrigues (PDT)
16.9: Reginaldo Lopes (PT)