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Eleitorado jovem tem queda além de fatores demográficos em Minas

Como consequência, campanhas eleitorais daqui em diante devem ser direcionadas para temas caros a uma população mais velha

Por Cristiano Martins e Pedro Augusto Figueiredo
Publicado em 07 de setembro de 2020 | 03:01
 
 
 
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Minas Gerais terá nestas eleições municipais de 2020 um recorde negativo quanto à participação da população jovem nas urnas. E isso não se explica somente por questões demográficas.

Em linhas gerais, o eleitorado mineiro estava mais concentrado nas faixas etárias de 25 a 44 anos no início do milênio (45%). Agora, este mesmo percentual aparece deslocado para o grupo de entre 35 e 59 anos, seguindo uma tendência mais ampla de envelhecimento da população no Brasil.

Como consequência dessa transformação, é possível que as campanhas eleitorais daqui em diante sejam direcionadas para temas caros a uma população mais velha, em detrimento das demandas de quem ainda inicia a vida adulta, de acordo com os especialistas consultados pela reportagem.

 

 

Nestas eleições municipais de 2020, em especial, destaca-se a baixa participação das camadas mais jovens no processo eleitoral. Se no início do milênio os adolescentes e jovens de até 24 anos representavam mais de um quinto do eleitorado (22%), essa parcela agora corresponde a somente 12,5% da população habilitada ao voto.

Em termos absolutos, o eleitorado jovem diminuiu de 2,7 milhões para 1,9 milhão de pessoas ao longo das duas últimas décadas. Mas é importante ressaltar que, enquanto o número de votantes caiu 26% no período, a redução populacional foi de apenas 10% nessa faixa etária, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Os dados chamam ainda mais atenção no recorte específico dos 16 e 17 anos, cuja participação é facultativa. A parcela voluntária da juventude chegou a representar 2,9% do eleitorado em 2004, quando 390 mil adolescentes se cadastraram para votar, e agora caiu para apenas 0,58% do total, com menos de 92 mil títulos emitidos: índice mais baixo já registrado no Estado.

Essa tendência já estava consolidada nas últimas edições, mas parte desse fenômeno pode também estar relacionada à pandemia do Coronavírus. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG) disponibilizou canais eletrônicos para emissão de títulos, mas o serviço presencial chegou a ficar suspenso por três semanas, entre o fim de março e o início de abril.

Lorena Dantas, 17, tentou emitir o título e desistiu após algumas tentativas frustradas. Usuária ativa das redes sociais para se informar e opinar sobre política, ela enxerga o voto como principal forma de melhorar a realidade. “Mas também já fui em manifestações na Praça Sete e coisas assim. Os protestos que eu fui eram em busca de melhorias na educação e nos direitos das mulheres”, conta.

A estudante vê seu grupo de amigos dividido entre uns indiferentes e outros muito politizados. “São dois extremos”, resume. “Acho que o principal motivo (da menor participação) é que a política virou uma guerra, ou você está de um lado ou do outro. E isso vem desde o governo da Dilma, na época que a minha geração começou a se envolver. Algumas pessoas preferem se ausentar para não ter este tipo de desgaste. Quando você vota, você se posiciona”, conclui.

Segundo Robert Bonifácio, doutor em Ciência Política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e atualmente professor na UFG (Universidade Federal de Goiás), os principais estudos da área revelam que o eleitorado jovem é o mais propenso a anular o voto ou a escolher candidaturas mais radicais. Ele ressalta, porém, que a influência desta faixa etária é pequena nas urnas, pois, além de ser o menor segmento do eleitorado, ele é também bastante fragmentado.

 

 

 

Para Bonifácio, o maior impacto desse setor do eleitorado está justamente na capacidade de mobilização. “O jovem talvez esteja mais relacionado ao ativismo de protesto do que a opções eleitorais viáveis. Faz diferença, porque você não precisa de grandes multidões para ser relevante, pelo menos no movimento inicial”, analisa.

O menor envolvimento desta faixa etária também pode estar relacionado à baixa sensação de utilidade prática do voto, explica Malco Camargos, professor de Ciência Política da PUC Minas e diretor do Instituto Ver de Pesquisa e Estratégia.

“Quando a participação é direta, como em uma manifestação, o sentimento de utilidade é maior do que na eleição, na qual o seu voto desaparece no meio de outros milhões depositados na urna. Numa manifestação, a sensação de empoderamento é maior. Mas não temos estudos ainda para falar o motivo real (da redução no eleitorado jovem)”, pontua.

 

População envelhecida

No outro extremo, os idosos de 70 anos ou mais correspondem atualmente a 10,6% do eleitorado mineiro (quase 1,7 milhão de pessoas), enquanto no início do milênio respondiam por apenas 5,9% dos títulos habilitados (725 mil).

Como o voto também é facultativo nesta faixa etária, resta a expectativa quanto ao nível de comparecimento às urnas no contexto da pandemia, uma vez que os idosos fazem parte do principal grupo de risco da Covid-19.

A rápida alteração na pirâmide tem consequências políticas e eleitorais, de acordo com o cientista político Paulo Roberto Figueira Leal, da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora). Segundo ele, é natural que campanhas eleitorais e políticas públicas levem em conta as novas demandas sociais determinadas pela transição etária. 

“Compreender esse fenômeno é importante em todos os momentos, mas o momento eleitoral é especialmente fértil para que esse debate venha a público e isso se traduza em políticas que deem conta dessa nova realidade”, afirma Leal.

As novas necessidades também deverão influenciar nas campanhas, um movimento a ser observado já nestas eleições de 2020. “Mais candidatos farão a sua plataforma eleitoral com base nessas propostas do que se fazia há alguns anos atrás. É uma mudança demográfica geral com consequências eleitorais, de políticas públicas e de desenho do Estado”, acrescenta.

O cientista político alerta, por fim, que seria um “reducionismo” acreditar que as faixas etárias em si possam determinar padrões de voto. Ele destaca outras características do eleitorado, como região, classe social, gênero e afiliação religiosa como igualmente preponderantes. “Imaginar que o fator idade explicaria muito do voto é talvez não levar em conta variáveis que em certos contextos podem ser mais ou menos relevantes do que essa”, conclui.

 

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