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Eleitorado mineiro migra do Ensino Fundamental para o Médio

A fração dos eleitores com o Ensino Superior também apresentou um aumento expressivo no período em Minas

Por Cristiano Martins e Pedro Augusto Figueiredo
Publicado em 07 de setembro de 2020 | 03:01
 
 
 
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A população habilitada a votar em Minas Gerais nunca foi tão escolarizada como neste ano de 2020. É o que indicam os dados cadastrais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Nas últimas duas décadas, o percentual de pessoas com no máximo o Ensino Fundamental completo (incluindo analfabetas e aptas apenas a ler e escrever) caiu de 75,3% para 47%. Simultaneamente, a parcela das que já haviam concluído ou pelo menos iniciado o Ensino Médio praticamente dobrou: de 20,4% para 39,8%.

 

 

A fração dos eleitores com o Ensino Superior também apresentou um aumento expressivo no período em Minas. Apenas 2,7% tinham um diploma universitário em 2000, e neste ano 9,1% já concluíram a graduação. O cientista político Malco Camargos, porém, sugere cautela com esse dado. 

O professor da PUC Minas e diretor do Instituto Ver de pesquisas alerta que as informações de escolaridade são declaratórias, e o aumento pode estar distorcido pela atualização dos registros após a campanha de recadastramento biométrico iniciada em 2008.

“A emissão do título costuma ocorrer por volta dos 18 anos de idade, e as pessoas não vão mais ao cartório eleitoral para atualizar os dados. Esse avanço não é necessariamente o melhor resultado de uma mudança no extrato da sociedade. Havia uma subnotificação das escolaridades mais altas”, explica.

De maneira geral, o aumento no nível de ensino formal da população resulta em um eleitorado mais comprometido, segundo o cientista político Adriano Gianturco. 

“[Pessoas com alta escolaridade e renda] São mais politizadas, acompanham as notícias políticas, tanto de forma ativa quanto passiva. Debatem, brigam no Twitter. Isso se reflete também na eleição”, analisa, ressaltando que utiliza o termo “politizado” de forma neutra, sem a conotação positiva mais comum no Brasil.

Gianturco lembra que a taxa de votação também é maior entre as camadas mais escolarizadas e ricas do eleitorado. “O voto é facultativo na maioria dos países democráticos. Mas mesmo aqui, onde ele é obrigatório, nem todo mundo comparece às urnas”, acrescenta o professor do Ibmec.

Felipe Clemente, 33, se encaixa nesse perfil. Ele mora em Nova Lima e é um dos cidadãos graduados que colocam a cidade da região metropolitana no topo do ranking estadual com o maior percentual de eleitores formados no Ensino Superior (22,2%).

“Não sou muito de opinar e expor minha posição nas redes sociais. Sou mais observador. Mas discuto com a família e os amigos e me mantenho informado, acompanho, gosto de ver as votações e o que estão debatendo pelo bem da sociedade”, conta o profissional do setor financeiro.

 

Felipe Clemente é um dos eleitores com nível superior em Nova Lima (Foto: João Godinho)

 

Um dos temas levantados por ele é a necessidade de os candidatos terem uma formação mínima para que possam ser eleitos para um cargo público. A noção de que candidatos mais escolarizados seriam gestores públicos melhores também é mencionada pelo supervisor educacional Fred Nogueira, 41.

“Acredito muito que o candidato deva ter uma certa formação. Não necessariamente uma formação superior, mas uma formação moral, por exemplo”, afirma o também morador de Nova Lima, citando movimentos e escolas de renovação política.

“Muitos candidatos hoje participam de movimentos de renovação para ter uma certificação de que ele procura estar mais apto a assumir uma cadeira, o que é muito importante porque ele vai estar nesses quatro anos representando a população”, opina o eleitor.

Quanto à influência da escolaridade nas intenções de voto, o cientista político Robert Bonifácio avalia que o momento é de transição e indefinição.

“É difícil observar alguma tendência. Se lá no começo dos anos 2000 o eleitor mais letrado no Brasil era mais esquerdista, por assim dizer, ultimamente isso tem se invertido. O Bolsonaro, por exemplo, ganhou entre os mais escolarizados em 2018”, lembra.

 

 

Mais pobres adotam comportamento pragmático

No Brasil, há uma forte correlação entre escolaridade e renda. “À medida em que se aumenta o grau de instrução do eleitorado, em geral aumenta também a renda”, explica o cientista político e professor do Ibmec Adriano Cerqueira, também diretor do Instituto Giga de pesquisas eleitorais.

De fato, um relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) baseado em dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que uma pessoa graduada ganhava 2,5 vezes mais do que outra com diploma de Ensino Médio no Brasil em 2018. A média dos países da OCDE era de 1,6.

Combinando escolaridade e renda, assim como o local de residência dos eleitores – tanto entre bairros de uma cidade quanto entre cidades e regiões do país – é possível traçar a atitude geral da população em relação à política, afirma Adriano Gianturco.

Ele cita uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo que tinha como objetivo entender a visão de mundo dos moradores da periferia de São Paulo, na esteira da acachapante derrota de Fernando Haddad (PT) para João Dória (PSDB) nas eleições municipais de 2016.

“O que descobriram é que, nas periferias, as pessoas com menor nível de escolaridade e renda têm uma relação diferente com a política, mais pragmática e menos ideológica”, relata o cientista político.

“O que eu sempre falo... e atenção, isso não é um juízo de valor negativo sobre o comportamento eleitoral dos pobres, mas sim uma descrição… é que ideologia é um luxo que nós ricos podemos nos permitir. Como nossas necessidades básicas estão satisfeitas, então nos importamos com coisas teóricas e abstratas. Quando você precisa achar emprego, comer, pagar as contas, é normal que suas prioridades sejam outras”, pondera.

Uma das conclusões da Fundação Perseu Abramo, segundo o professor, foi que os mais pobres – e portanto os menos escolarizados – não são nem “de esquerda” nem “de direita”, mas seguem a linha do pragmatismo. “Eles passaram a abandonar Lula e o PT, de forma geral, quando, na percepção deles, não entregavam mais crescimento econômico. Até quando o PT entregava crescimento econômico, eles votavam”, conclui.

 

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