Quem são os jovens que ocupam as escolas

O TEMPO esteve em três das mais de cem escolas estaduais ocupadas de Minas para tentar descobrir como tem funcionado o dia a dia destes estudantes do ensino médio e o que eles defendem

“Vândalos”, “drogados”, “marginais” e “desocupados” que “querem apenas fazer orgia e farra”. Estas são algumas das acusações feitas em comentários no Facebook de O TEMPO em reportagens sobre os estudantes que ocupam mais de 1.200 escolas estaduais em todo o Brasil. Os ataques nas redes sociais aumentaram desde o anúncio do Ministério da Educação (MEC) de que as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) seriam adiadas para aproximadamente 700 mil pessoas, mas os alunos decidiram manter o movimento e não têm qualquer previsão de desocupar as instituições.

Diante disto, a reportagem esteve em três das mais de cem escolas de ensino médio ocupadas em Minas Gerais para conhecer os adolescentes que se mantém no fogo cruzado entre mensagens de ódio e manifestações de apoio. Com idades entre 15 e 18 anos, estes jovens ativistas são filhos de porteiros, motoristas, aposentados, vendedoras de cosméticos, trabalhadores industriais, servidores públicos, entre outros, e são moradores de diversos bairros da cidade e municípios da Grande BH. A maioria sempre estudou em escolas públicas.

Ao chegar na Escola Estadual Milton Campos, o Estadual Central,  a primeira ocupada no Estado - antes mesmo das universidade federais - a área do movimento estava praticamente vazia. É que enquanto uns poucos alunos vigiavam as barracas armadas sob a rampa que dá acesso às salas de aula, o restante lotava o auditório desenhado por Oscar Niemeyer para assistir uma palestra de ex-alunos, entre eles a deputada federal Jô Moraes (PCdoB) e uma jornalista de economia.

"Os alunos já tinham conhecimento sobre o que se passa no país, estavam acompanhando a situação política e alguns deles já faziam parte de movimentos estudantis. Não estão ocupando sem base. Eram 12 alunos no início e, agora, já são centenas de estudantes em cada um dos turnos daqui e milhares nas mais de 100 escolas mineiras. O Estadual Central sempre foi vanguarda, desde a época da ditadura, e agora mais uma vez", diz, orgulhoso, o professor de história da instituição Eduardo Moraleida.

Ali, as aulas continuam acontecendo normalmente, já que os adolescentes participam dos “aulões” e debates promovidos pela ocupação apenas no horário em que não têm aula. “Eles falam que virou colônia de férias, mas acabamos de sair de uma palestra que durou toda a manhã, e de tarde terei aula normal. Dizem que devíamos estar preocupados com o Enem, mas nós estamos fazendo isso justamente para que nos próximos 20 anos as pessoas continuem tendo a oportunidade de entrar em faculdades de qualidade, e não instituições sucateadas pela falta de investimentos”, argumenta uma aluna de 16 anos que está no 2º ano.

O modelo de ocupação da pioneira em Minas está sendo copiado em outras escolas. Os estudantes formam comissões, dividindo entre os participantes os serviços de limpeza dos locais ocupados, a organização da programação, alimentação, comunicação com os demais movimentos e segurança da escola durante os períodos sem aula. “Temos que abrir mão de muita coisa, do conforto de casa, da comidinha da mamãe, para ter que tomar banho de mangueira, dormir em colchonete no chão frio e gastar muito tempo organizando tudo”, argumenta.

Questionada sobre a decisão do MEC de adiar as provas nas escolas ocupadas, uma aluna de 15 anos acredita que esta foi a estratégia do governo para tentar dar fim ao movimento. “Querem colocar a população contra a gente. Mas tenho certeza que nenhum de nós se oporia à realização da prova, já que até a eleição aconteceu com as escolas ocupadas e nenhum problema foi registrado. O ministério sequer tentou negociar essa possibilidade de ficarmos em um local isolado para não prejudicar a prova”, indaga.

Balanço

Segundo o último levantamento feito pela Secretaria de Estado de Educação (SEE), nesta sexta-feira (4) eram 57 as escolas estaduais ocupadas onde seriam aplicadas as provas do ENEM no fim de semana. Este número traz cinco novas ocupações a mais que a listagem apresentada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), sendo elas a Escola Estadual Olegário Maciel (BH), Escola Estadual Quintino Vargas (Pirapora), Escola Estadual José Heilbuth (BH), EE Professora Inês Geralda (BH) e EE Nossa Senhora da Conceição (Ribeirão das Neves).

O último balanço divulgado pelos movimentos estudantis apontam para 1.197 escolas estaduais e institutos federais ocupados em todo o país (103 em Minas), no dia 28 de outubro, e 167 universidades nesta quinta-feira (3).

Apoio

O movimento estudantil é apoiado pelas “tias” da cantina, que inclusive ajudam fazendo o almoço dos adolescentes. “Eles estão lutando por uma causa justa. Muitos direitos que nós temos hoje foram conquistados graças aos jovens das décadas passadas. Na época eles também eram chamados de baderneiros. Quantos não morreram por uma causa?”, defende uma cozinheira da escola,57 anos. Os alimentos usados são todos frutos de doações recolhidas pelos movimentos estudantis e distribuídas entre todas as ocupações do Estado.

Apesar de terem o apoio de boa parte dos estudantes e funcionários, alguns alunos não são totalmente favoráveis à ocupação. Recentemente um grupo de ativistas do movimento "Direita Minas" invadiu a instituição afirmando que faria uma "reintegração de posse" forçada. Mesmo com momentos de tensão entre os dois lados, o protesto terminou sem confusão e com a continuação do movimento na escola.

“A ocupação é válida, mas não podemos deixar que só o grêmio tenha voz. Eu não participo do movimento por ser promovido exclusivamente por alunos do grêmio. Também não concordo com essa coisa de levantar bandeiras de movimentos como Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e União da Juventude Socialista (UJS)”, diz um aluno do Estadual Central de 17 anos, que cursa o 3º ano. Além de discordar de alguns pontos do movimento, ele explica que só não participa das atividades da ocupação por fazer cursinho para o Enem no turno em que não está na escola.

Bandeiras

Em todas as escolas, as reivindicações dos jovens são as mesmas: a não aprovação da PEC 55 (que estabelece um teto para os gastos públicos nos próximos 20 anos); contra a MP 746/2016, que pretende fazer uma reforma no ensino médio; e, também, contra o projeto de lei que tramita no Senado visando a criação do programa Escola sem Partido, que prevê, entre outras coisas, que professores não possam fazer “propaganda político-partidária em sala de aula e nem incitar seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas”.

"Essas medidas são afrontas aos estudantes e as ocupações são nossa forma de resistir ao que não concordamos. A nossa escola já não tem estrutura nenhuma, tanto é que precisa dividir os três anos do ensino médio entre os três turnos. Como que vamos aumentar a carga horária de 800 para 1.400 horas anuais se já não tem espaço para todo mundo e ainda querem congelar o investimento? Vão ter que remanejar os alunos ou reformar a escola para caber todo mundo, e isso sem aumentar a verba”, questiona uma aluna de 16 anos que cursa o 2º ano na Escola Estadual Santos Dumont, em Venda Nova.

Para os estudantes, a reforma do ensino é realmente necessária, mas não deveria ser imposta por uma medida provisória e, principalmente, sem ouvir quem de fato será atingido pelas mudanças. “Artes, filosofia e sociologia, que são matérias que ajudam na formação de um senso crítico, deixarão de ser obrigatórias. Que escola, ainda mais com o congelamento do investimento, vai gastar com estes professores? Querem formar alunos que não pensam. O certo seria ouvir professores, especialistas em educação e, é claro, nós, que vamos ser os mais atingidos pelas mudanças”, argumenta um jovem de 17 anos, aluno do 3º ano da escola.

Segunda ocupação do ano

Apesar de o movimento das ocupações ter começado em outubro no Paraná, Estado que já tem mais de 600 escolas ocupadas desde o anúncio da reforma do ensino médio pelo governo Michel Temer, os alunos da Escola Estadual Ricardo Souza Cruz, na região Noroeste da capital mineira, já estão em sua segunda ocupação neste ano.

Entre dezembro de 2015 e janeiro deste ano, eles também ocuparam a instituição, neste caso contra a implantação de um Colégio Tirantes da Polícia Militar (PM) no espaço. “Ficamos ocupados por 12 dias e conseguimos impedir isso. A implantação tiraria um grande número de vagas dos moradores da região para entregar para os filhos de militares. Os alunos que estão aqui hoje não estariam se não fosse nossa luta. Sem falar que nas escolas militares eles não ensinam a verdadeira história, dizem, por exemplo, que a ditadura militar foi uma 'revolução'”, argumenta o presidente do grêmio da escola, de 17 anos, aluno do 1º ano.

Na escola, que completa um mês de ocupação na próxima segunda-feira (7), as aulas normais estão suspensas nos turnos da manhã e da tarde, sendo mantido apenas o tempo integral e o período noturno, que é formado principalmente por pessoas mais velhas, estudantes da Educação para Jovens e Adultos (EJA). “Temos o apoio de cerca de 80% dos alunos e de 60% dos professores e funcionários, mas, apesar disso, fomos ameaçados por movimentos de direita, que querem acabar com as ocupações”, finaliza.

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