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Feijão

Agricultor chegou a colher 80 sacas

Após o início das obras de transposição do rio São Francisco, trabalhador diz que não adianta mais plantar: a seca tomou conta

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PUBLICADO EM 10/10/13 - 03h00

Em tempos bons de colheita, quando chovia, o agricultor Pedro Inácio Sobrinho, 75, chegava a colher 80 sacas de feijão em suas terras. Com dificuldades, ele criou 12 filhos. Hoje, ajuda a cuidar de muitos dos 30 netos para que os pais trabalhem. Atualmente, diz ele, não adianta mais plantar uma roça, já que a seca não deixa nada escapar. A seca tomou conta do lugar.

O jeito ali é passar os dias rodeado de crianças. A pobreza é tamanha que os meninos andam descalços e com pouca roupa. Um deles, deficiente mental, vagava pelo quintal babando. Feridas em sua boca proliferavam. Naquela família, para conter o sofrimento, o antídoto é o amor e bondade, inclusive aos que acabaram de chegar.

“Vamos chegando. A casa é de pobre, mas é de vocês”, diz seu Pedro. Com todas as dificuldades, a alegria do homem é quando chega o domingo, e a família se reúne. “A casa fica cheia. Aí é bom”, conta.

Pedro confirma aquilo que a reportagem já havia observado. Se houver irrigação, a terra do sertão ajuda. “A terra aqui é seca e só depende de água. Quando chove, tudo que a gente planta aqui consegue colher”, conta ele, com um dos netos – um menino sem camisa e apenas de cueca – no colo.

“Eu não tenho medo de trabalho, meu filho. Já arranquei até toco no mato para sustentar meus filhos. Mas hoje já estou velho. Não chove. E não tenho muito o que fazer por aqui. Até tentei botar uma rocinha, mas não choveu. Não deu em nada”, conta o homem. A expressão alegre que se destacava até então se converte num rosto sofrido, de tom grave.

As criações de Pedro também foram enfraquecendo. “Eu já tive muito bicho aqui, mas como vou alimentar os animais? Tive de vender”, conta ele. Hoje, restam apenas umas 30 galinhas que se agitavam com a movimentação em volta da casa do sertanejo. “É só para matar e fazer aos domingos, quando a casa está cheia”.

As dificuldades na casa do agricultor são tamanhas que banheiro nunca existiu por lá. “A gente tem que falar a verdade. Não vou mentir não. Usamos aqui umas folhas de marmeleira”, diz ele, rindo, achando graça da própria situação. Um cheiro forte exalava de dentro da casa.

Esperança. Quando o assunto são as obras de transposição do rio São Francisco, que passarão a uns poucos quilômetros da casa da família, o agricultor prefere manter as esperanças, mesmo diante de uma cenário de paralisia e de falta de informação sobre a conclusão do projeto do governo federal. “O governo faz quando quer fazer. Vai ser bom para mim e para muita gente aqui. Deus queira que saia”, projeta o homem.

Atualmente, na casa de Pedro, a água usada para beber, cozinhar e tomar banho vem de um poço. “Sede, nunca passamos aqui. Mas água aqui vale muito. É a conta de usar e só”, explica o idoso. “Já tivemos tempos melhores por aqui, mas não reclamo da vida. Deus manda, a gente aceita, né?”, afirma, resignado.

Na saída da casa de Pedro, uma despedida típica de sertanejo por parte dele e de sua senhora. “Vão com Deus. Façam uma boa viagem, sejam felizes. Quando vierem aqui de novo, venham para almoçar”, diziam os dois. Na maioria das casas visitadas pela reportagem, há desconhecimento sobre o andamento e o resultado das obras da transposição.

Generosidade

Em meio a uma bateria de entrevistas com os sertanejos, por vezes, os papéis de entrevistado e entrevistador se inverteram. Desacostumados a gravadores e a poderosas câmeras fotográficas, muitos se mostravam nitidamente curiosos em relação à atividade jornalística e a Belo Horizonte. Em Mauriti, dona Nôzinha pergunta de onde tínhamos saído. Ao respondermos que saímos da capital mineira, ela dispara: “Lá tem bastante água. É bonito ver uma água correndo”. O dia já caía e era hora de voltar para a cidade. Ao sair da casa de dona Nôzinha, foi impossível não abraçá-la. Ganhei de volta um abraço apertado e um beijo no rosto. O fotógrafo Douglas Magno fez o mesmo. Generosa, ela ainda ofereceu sua própria casa. “Se quiserem passar a noite aqui, tem umas redes e uns paninhos para vocês. E um feijão no fogo também”, dizia.


12 milhões é o número de nordestinos que, segundo a promessa do governo, serão atendidos pela transposição.

Rádio Super

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