Era sexta-feira, e o sol acabava de se pôr. Numa praça calçada com pedras e isolada com cordões, em South Street Seaport, em Nova York, cerca de 300 pessoas pareciam participar de um “flash mov”. Mas não era. Na verdade, gente de diferentes idades dançava na rua como se o mundo fosse acabar. E o mais curioso: sem música. O fenômeno, chamado de balada silenciosa, surgiu em festivais de música (Coachella, Bonnaroo), bares e casamentos como forma de cair na gandaia sem violar as leis de silêncio, o toque de recolher ou, no caso de universidades, incomodar quem está estudando.
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Em South Street Seaport, três DJs duelavam pela atenção da plateia, mas as músicas só eram ouvidas através dos fones de ouvido sem fio, que brilhavam em tons de vermelho, azul ou verde, dependendo do canal selecionado. É um jeito de participar de uma festa para pessoas que não querem estar sujeitas à vontade de um DJ só durante a noite inteira. E, como o usuário controla o volume, é também uma alternativa para quem não quer ouvidos tinindo nem dor de garganta no dia seguinte.
“Eu costumava ir a boates, mas a música é alta demais", contou Andre Coppedge, 38, que veio com sete amigos de Allentown, Pensilvânia, até South Street Seaport. “Aqui dá para curtir o tempo todo e, se não gostar da música, é só mudar a frequência.” Joshua Diamond, 30, que veio com a noiva e outro casal, afirmou que as discotecas silenciosas têm “mais clima de matinê do que as baladas normais”.
Para um transeunte sem fones de ouvido, parecia uma batalha a capela improvisada de bandas, com um grupo de gente pulando e cantando “Jump”, do Kriss Kross, enquanto outras pessoas berravam a letra de “This Is How We Do It”, de Montell Jordan. Para Decodar Loney, 23, o mais legal dessas festas é poder fazer o que quiser, sem se preocupar com ritmo. Nicole Lancia, 34, e a amiga Kelly Washburn, 33, alternavam as risadas e os passos de dança com a observação de pessoas. “É de rolar de rir”, disse Lancia. “É como cantar no chuveiro.”
Mais de dez empresas disputam o novo mercado
Atualmente existem mais de dez empresas organizando festas silenciosas nos Estados Unidos, com nomes como Hush Concerts e ZEROdB (significando zero decibel), cujos fundadores conheceram o conceito enquanto estavam no exterior. Valere-Couturier experimentou no litoral de Israel. William Petz, fundador da Quiet Events, com sede no Queens, ficou sabendo quatro anos atrás, durante cruzeiro às Bermudas com a família. Ele viu que era divertido e logo investiu em 350 pares de fones de ouvido, planejando vendê-los caso o negócio fracassasse. Hoje, Petz tem mais de 6.000 pares, com reservas até na China.
Casamentos. As baladas silenciosas em casamentos são um novo foco do mercado, principalmente se envolverem viagens. A revista “Martha Stewart Weddings” aprovou a tendência em fevereiro. Além do DJ ao vivo, os convidados podem escolher entre o canal da noiva e o do noivo – após a primeira valsa, logicamente.
Inglaterra foi pioneira em “discoteca muda”
Primeira grande discoteca silenciosa surgiu na Inglaterra no festival de Glastonbury em 2005. Os organizadores da balada tentavam driblar restrições a barulho na região. Embora o Bonnaroo, no Tennessee, nos Estados Unidos, rapidamente seguisse o exemplo inglês, demorou até as plateias mudas norte-americanas decolarem, em parte, por causa da tecnologia. É que, no início, eles usavam fones de ouvido com infravermelho, o que exigia contato visual com o transmissor, e, quando as pessoas se mexiam, o som costumava sumir. Atualmente, usa-se um fone de ouvido via rádio, que não apresenta o mesmo problema. Hoje a festa pode rolar solta, sem agarrar em problemas tecnológicos.
A experiência isola ou integra?
A nova experiência ainda divide opiniões dos norte-americanos. “Fomos reduzidos a dançar sozinhos”, disse Bernadette Gay, 56, requebrando com fones de ouvido brancos. Ela trabalha numa prestadora de serviços de saúde, experimentou brevemente os canais da discoteca silenciosa, mas devolveu os fones. “Eu me lembro de quando lançaram o Walkman. Isso isola. Onde está a conexão?” Por outro lado, Chanez Baali, 31, diretora de uma empresa de tecnologia de mídia do Queens, afirmou que costuma ir sozinha a discotecas “mudas”. “Você fica em seu mundinho. Para de pensar no seu visual, assim não tem tanta timidez para começar a bater papo”, explica.
Já Kim Scolaro, 31, conhecido como DJ Kharisma, diz que trabalhar em discotecas silenciosas é mais desafiador do que qualquer outro tipo de festa. “Quando se é o único DJ, pode-se fazer o que bem quiser”, contou Scolaro, que trabalhou no evento em Seaport. “Aqui, porém, você sempre tem de dar o máximo. Você percebe na hora de quais músicas as pessoas gostam ou não.”