Adolescentes com transtornos psicológicos que não recebem tratamento no estágio inicial têm sete vezes mais chances de desenvolver sequelas que impactam a vida adulta. Esse é o resultado de uma pesquisa feita pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e publicada no ano passado no periódico “Lancet Psychiatry”, com mais de 1.200 adolescentes, que foram acompanhados dos 14 aos 17 anos.
“Se interviermos em um estágio inicial – nas primeiras semanas do aparecimento dos sinais –, podemos ver melhorias consideráveis nos sintomas de depressão, ansiedade e outros distúrbios nos adolescentes. O tratamento precoce reduz o risco de eles desenvolverem consequências graves na fase adulta”, afirma o psiquiatra Kalil Duailibi.
Segundo a psicóloga Renata Lott, especialista em comportamento infantojuvenil, o sucesso da terapia está na parceria entre especialistas, pais e escola. “É necessário investir nesse diálogo. O psiquiatra vai atuar com o diagnóstico e a medicação, se necessária; o psicólogo, com o acompanhamento e desenvolvimento emocional, de forma individual e em sociedade, juntamente com a escola; e os pais, atuando no dia a dia, dentro de casa e fora dela”, explica.
Qualidade de vida. O tratamento realizado de maneira rápida foi fundamental para que a estudante Bianca*, 17, melhorasse o quadro de depressão, identificado há seis meses. “No começo, eu poderia estar vendo uma série de comédia que começava a chorar. Ou estar acessando fotos de outras meninas nas redes sociais e já me sentia feia, a ponto de usar roupas compridas para esconder o meu corpo. Já até desisti de me encontrar com amigos e família porque não estava me sentindo bem para encará-los”, relata a jovem.
Diante desses episódios, não houve dificuldades para que Joaquim*, pai de Bianca, notasse que havia algo errado. “Ela sempre foi uma menina muito sociável, sorridente. É muito triste ver alguém tão jovem e cheia de vida desse jeito. Procurei em seguida um psiquiatra, que diagnosticou a depressão e começou a tratá-la”, conta. Além dos remédios, Bianca vai uma vez por semana à psicóloga para terapia. “Ela já melhorou muito, ela está voltando a ser quem era antes”, diz o pai.
* Nomes fictícios
Minientrevista
Ana Boczar
Psicanalista especializada em atendimento a crianças e adolescentes
O que se passa com o adolescente atualmente?
Ele é fruto de dois aspectos: a maneira como absorve aquilo tudo que ele interpreta e como a sociedade lhe oferece certos modos de funcionamento. Nos últimos anos, temos visto uma indistinção entre o que é superficial e o que é profundo, tudo se confunde. Além disso, esta época em que vivemos também coloca o sujeito em um determinado lugar na relação com o outro no qual as exigências da sociedade têm relação com uma excelente performance, uma beleza incondicional, a aquisição suprema de bens. Isso provoca uma espécie de aprisionamento por causa de excessos inalcançáveis e ideais inatingíveis, levando-nos a pensar, paralelamente, que vivemos uma espécie de crise de referência.
Quais seriam esses excessos?
Existem ideais coletivos totalmente deturpados que afetam o adolescente, fazendo-o pagar um preço alto por não encontrar, nessa mesma sociedade, sujeitos que possam apontar-lhe limites, direções ou valores adequados. Houve também muitas mudanças no lugar do feminino e do masculino (entendendo-se não como destinos biológicos, mas posições mais ativas ou passivas em relação ao mundo).
O que tudo isso acaba causando?
Esse tipo de coquetel é um caldo que estimula, de certa forma, a produção da angústia. Para que nos organizemos, precisamos de duas variáveis: o investimento afetivo do outro e os limites ofertados como organizadores da cultura em que estamos inseridos. Se o investimento (afetivo) é excessivo e do outro lado (pais e responsáveis, professores, figuras de autoridade que são significativas na composição e organização do sujeito) autorizam as regras do “vale-tudo”, o adolescente, que está em desenvolvimento, cria uma angústia excessiva. Essa provocação o deixa atônito, perdido, sem referência. Como se fosse um monte de cegos num tiroteio.
Existem mecanismos de fuga por parte do adolescente?
Sem dúvida. Todos os transtornos têm um grito em comum: a interseção entre sujeitos que são estimulados a fazer pouco uso da palavra e o excesso da oferta de soluções rápidas e imediatas, como tecnologia, medicalização excessiva, rotas de fuga. É como se você retirasse do adolescente a capacidade de escolher, de se posicionar. Isso resulta no declínio do uso da palavra: quando as pessoas usam menos palavras – não compartilhando como se sentem – e vão agindo. Por exemplo, é mais fácil ficar no celular do que tratar de sua angústia com alguém.
O que pode ser feito para reverter esse processo?
Criar um intervalo entre as ofertas de rotas de fuga e algum tipo de pergunta que faça com que o adolescente dê uma pausa nesse modo de responder a seu mal-estar. O modo deve ser feito pela palavra, e a saída é particular (cada família precisa ver o que melhor se aplica). Isso, é claro, deve ser feito com o acompanhamento de um profissional.