Realidade

‘Menino-passarinho’ foge do Rio de novo para viver em caixote

Na primeira vez em que deixou a família, em agosto, Pedro foi viver em uma árvore


Publicado em 02 de outubro de 2014 | 03:00
 
 
 
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São Paulo. “Olha, tia, a casinha que eu fiz”, se orgulha Pedro (nome fictício) do caixote coberto por uma estrutura de madeira que o protege da chuva. Há uma semana, o garoto se refugia pela segunda vez na rua Veiga Filho, no bairro Higienópolis, região Central de São Paulo.

Em agosto, Pedro fugiu de casa, em Cachoeiras do Macacu, vizinha à Nova Friburgo (RJ), e passou a viver em uma árvore. Durante uma semana, sofreu a resistência de moradores e foi amparado por outros vizinhos, que o apelidaram de “menino-passarinho” e localizaram sua família.

Pedro se escondeu na carroceria de um caminhão em Nova Friburgo e aportou em São Paulo. O menino de 15 anos está aprendendo a ler e identificou na placa do veículo duas palavras: “São Paulo”. Logo soube que podia embarcar.

Na capital, perguntou para pedestres a direção de Higienópolis. “Disseram que, de onde eu estava, precisava pegar metrô e ônibus. Mas eu não tinha dinheiro, vim a pé mesmo”, relata.

Pela manhã, esfrega os olhos e esconde o rosto da claridade. Deitado sobre um tapete do tipo capacho, encontrado no lixo, procura um saco de papel e tira seu café da manhã: algumas batatas fritas, que coloca na boca como se fossem o último alimento disponível na cidade. Não vive mais na árvore porque “disseram que não pode”.

“Agora chega, não vou falar mais nada. Depois vocês fazem fofoca pra minha mãe, e ela vem me buscar. Ela sabe que estou aqui, eu disse que ia voltar”.

A resistência em voltar para casa foi notada pela psicóloga e terapeuta Luciana Sodré Cardoso, moradora do edifício que fica em frente à casa improvisada de Pedro. Em agosto, Luciana convocou uma vigília para proteger o garoto enquanto sua família estava a caminho para buscá-lo. “Ele tem família, tem mãe, não vamos cuidar dele. O que sabemos é que ele tem muita energia acumulada. Ele quer sair de casa, mas a mãe não permite. A fuga para ele é uma questão de sobrevivência. Ele foge para viver”, diz.

A terapeuta teme pela reação dos moradores, que se mostraram pouco receptivos. Por isso, evita passar muito tempo com ele e não oferece alimentos e roupas, para que ele entenda que seu lugar não é ali.

Outra moradora que resiste em acolher Pedro é a aposentada Dulce Santucci. Quando se abrigou sobre a árvore, o menino dizia que queria ser adotado pela senhora. “No fim da semana passada ele ficou aí, debaixo de muita chuva. Notei uns dois moços se aproximando dele, acho que querem que ele se drogue. Mas ele é muito limpinho, diz que odeia droga”.

Conselho

Fuga. Na última sexta-feira, o Conselho Tutelar de SP foi acionado. Pedro aceitou ser direcionado para um abrigo, porém fugiu no dia seguinte. O conselho afirma que não há razões para tirar o menino da família.

Mãe se diz preocupada e relata dificuldade de aprendizagem
São Paulo
. Dulciléa Klein, a mãe de Pedro, tem ido ao Conselho Tutelar de Nova Friburgo. Sem recursos financeiros, a dona de casa espera que o órgão busque o garoto em São Paulo, como aconteceu na primeira fuga. Porém, há falta de verbas no conselho para a viagem de 536 km.

Na última segunda-feira, ela esteve no Ministério Público. “A mulher que me atendeu bateu na máquina tudo o que eu falei e disse que vai encaminhar o documento para o promotor, e ele decide se libera a verba. Pode ser hoje, pode ser amanhã. Enquanto isso, meu filho passa mais uma noite na rua”.

Segundo ela, “Pedro toma remédios controlados, ele tem uma dificuldade de aprendizagem. Por mim, eu tinha ido até a pé”.

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