Sustentabilidade

A moda mudou

Soluções colaborativas espalhadas pelo país, como a Mudaria em BH, tentam colocar o setor do vestiário na mira da sustentabilidade e propõem novas formas de consumo sem impactar o meio ambiente


Publicado em 12 de março de 2017 | 03:00
 
 
 
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A sustentabilidade e o comportamento consciente do consumidor em relação aos artigos de moda andam inspirando iniciativas ao redor do mundo. Na semana passada, a loja Zara lançou no Brasil a sua primeira linha sustentável com peças produzidas a partir de matérias-primas orgânicas, materiais reciclados e processos de produção respeitosos com o meio ambiente.

Além de produções cada vez mais ecológicas no varejo, a ampliação do conceito de escambo de roupas tem proliferado. E dado passos adiante. Novos formatos da velha máxima “o que não serve para você pode ser útil para o outro”, por exemplo, têm surgido, e, numa iniciativa num espaço além dos bazares e brechós, agora também é possível pegar peças emprestadas em um closet coletivo.

Um exemplo é a Mudaria, uma espécie de armário compartilhado no qual você pode emprestar roupas que não usa tanto e pegar outras que adoraria ter em seu guarda-roupa por um período de tempo. A proposta, criada no fim do ano passado, foi inaugurada – oficialmente – neste mês em Belo Horizonte.

O projeto, que fica na Casa Imaginária, no bairro Santo Antônio, foi desenvolvido a quatro mãos pelas amigas e empreendedoras Clara Garcia, Lina Formoso, Maria Clara Cheib e Isabela Viana. Todas já acreditavam no modelo de compartilhamento dentro da moda: se uma peça for boa para todo mundo, todos usam. “Muitas vezes, as roupas são compradas apenas por impulso. A ideia é que fossem utilizadas mais vezes e por mais pessoas, gerando um impacto significativo no ambiente e na sociedade, que passa a enxergar novas formas de consumo. E isso, em grande escala, influencia também o fim da escravidão moderna, em que uma parte da população trabalha em condições absurdas para abastecer rapidamente esse mercado”, esclarece Clara Garcia, uma das sócias.

O sistema, com horário marcado pelas redes sociais, funciona por meio de uma assinatura mensal, que custa R$ 60. Através dela, o cliente tem acesso a todo o acervo, mas só pode alugar uma peça por vez. Caso pegue uma peça e devolva no dia seguinte, por exemplo, já pode levar uma nova no mesmo dia. Já quem quiser deixar roupas por lá recebe uma porcentagem (20%) sobre o número de aluguéis mensais. Atualmente, o armário possui cerca de 80 peças, só femininas (por enquanto) e de tamanhos e estilos variados. Além dos empréstimos de pessoas de BH que acreditam na funcionalidade da ideia, marcas locais também entram no coletivo. “Com a intenção de atender todos os tamanhos e estilos diferentes, estamos em busca de novas marcas para compor nosso acervo. Queremos agora dar um ar mais fashionista e apostar também em peças plus size”, planeja Clara.

Além do esforço de tentar pôr um fim à famosa frase na hora de se arrumar – “eu não tenho roupa”–, a Mudaria olha para a frente ao se colocar como uma proposta para tornar o setor de vestuário – que é o segundo mais poluente do planeta, ficando atrás só do petrolífero – mais sustentável. Clara, por exemplo, é fã de achados em brechós, compartilha dessa visão no vestir-se e também aplica em sua vida pessoal. “Sendo a moda um mercado de grande influência sobre as pessoas, entendo que é uma boa estratégia utilizar-se dele como ferramenta para mudança. Ver esse cenário, antes tão inconsequente, e repensar seu formato é inspirador”, acredita Clara.

Medidas concretas

Assim como a Mudaria, outros negócios andam transformando o ciclo de consumo da moda ao redor do mundo. Algumas delas foram apresentadas na 15ª edição do Inspiramais – Salão de Design e Inovação de Componentes, realizado em janeiro deste ano, que mostrou, por meio de um circuito de palestras, uma forma de sensibilizar e esclarecer sobre a importância de processos produtivos cada vez mais limpos e sustentáveis.

“Hoje, no Brasil, já temos uma agenda nas indústrias sobre reciclagem e sustentabilidade, e isso é um avanço muito grande em consciência ambiental. O fast- fashion, por exemplo, possibilitou uma democratização total da moda, mas esquecemos que moda é uma fotografia do seu tempo. E o nosso tempo agora é a urgência com a sustentabilidade e a necessidade do consumidor de se conectar com marcas e iniciativas que representem esse novo momento”, diz Chiara Gadaleta, idealizadora do Ecoera – plataforma de disseminação das práticas sustentáveis de moda e beleza – e uma das pioneiras ao colocar o assunto em pauta. “Não adianta a empresa acabar com o impacto ambiental dela se a mão de obra é escrava, por exemplo”, defende Chiara.

 

Fashion caminha para um novo foco

Grandes empresas, como a marca de calçados Louloux, de roupas Alcaçuz e a de bolsas Catarina Mina, têm realizado propostas para tornar a cadeia da moda mais sustentável, mesmo em produção em larga escala. A fast- fashion C&A, por exemplo, foi a primeira loja de varejo brasileira a assinar pacto contra o trabalho escravo. Além disso, a empresa espera que até 2020 toda a produção seja feita com fibra proveniente de cultivos orgânicos ou sustentáveis. Atualmente a C&A utiliza o tecido sustentável Denim Biofashion, produzido em parceria com a mineira Cedro, que consome menos energia, reduz o consumo de água e possui menor carga de poluentes em sua fabricação.

Na semana passada, a Zara apresentou no Brasil a sua primeira coleção sustentável batizada de Join Life. A linha é feita com uma mistura de materiais reciclados e matérias-primas mais naturais, desenvolvidas a partir de algodão orgânico, lã reciclada e Tencel – um tecido feito da celulose de madeira proveniente de florestas certificada.

Para o estilista e idealizador do Inspiramais Walter Rodrigues, iniciativas como essas reafirmam que o consumidor precisa cobrar, cada vez mais, o posicionamento de mudança nas empresas. “É muito importante a moda assumir essa bandeira de sustentabilidade. Não se pode tratar isso como uma jogada de marketing, mas sim como uma mudança de estilo de vida. O consumidor é quem deve exigir o selo de origem da empresa. A indústria está fazendo sua parte, mas o consumidor tem o poder dessa cobrança”, considera Rodrigues.

Lá fora, a Victoria’s Secret divulgou, recentemente, uma política sustentável para seus tecidos e disse que vai verificar a procedência de seus fornecedores e eliminar os que estejam envolvidos com desmatamento ou com a violação de direitos humanos em seu processo de produção. (LKM)

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