Há algumas temporadas, o underwear vem sendo repaginado na moda com as marcas que investem na lingerie para que ela apareça e componha o look, de fato. A princípio, peças como o pijama e a camisola – ou slip dress – representaram os primeiros passos da inclusão das roupas de dormir em produções diurnas. Depois, marcas do segmento começaram a entender o movimento e criaram peças pensadas especialmente para o dia a dia e, nesse caso, quanto mais ficar à mostra, melhor. Outras etiquetas aproveitaram o embalo e se inspiraram justamente nessa essência “boudoir” para lançar coleções que celebram o conforto e a sensualidade, mas com styling sofisticado e cool.
Nesse contexto, grifes como Dries Van Noten e Giambattista Valli também seguiram o embalo do “comeback” da década de 90 e propuseram sobreposições dessas peças a blusas e camisetas com maestria para o street style. “É um reflexo de um grande ‘crash’ de tendências, através das transformações sociais e também do revival dos anos 90, que traz elementos como sutiãs e camisolas sequinhas misturados com jeans e camisetas”, diz Marcella Sant’Ana, diretora de estilo da marca Valisere.
Foco nele. Aliás, é o sutiã que, agora, vira protagonista das produções e deixa de ser mero complemento para dar segurança e sustentação por baixo da roupa. A tendência apareceu nas recentes passarelas de Tom Ford, Dior e Fenty x Puma e, claro, no closet dos fashionistas como Kim Kardashian, Bruna Marquezine e Camila Coelho. “Agora é a vez do sutiã e da lingerie, em sua essência. A peça vem com mais afirmação do que romantismo propriamente dito”, acredita o stylist David Souza.
A Água Fresca Lingerie investe justamente nesse nicho: lingeries pensadas para fora da roupa e modelagens confortáveis. “O que aconteceu foi uma demanda do público em buscar peças que vão além de seu uso essencial. Todos eles, como sutiãs e bodies, trazem características essenciais da própria lingerie, trabalhadas em rendas, transparências na medida para serem mostradas propositalmente”, disse a estilista da marca Júlia Zingoni.
Liberdade. Embora o sutiã já tenha sido queimado em praça pública em 1968, para protestar contra a ditadura da beleza, como forma de revolução, ele anda em sintonia com o poder feminino e a liberdade atualmente. “As mulheres sentem-se mais livres e têm liberdade de ousar quando elas querem”, acredita. “Estamos confiantes e seguras de nós mesmas, buscamos também o conforto e isso é muito legal”, avalia. Marcella Sant’Ana concorda: “Exibir a lingerie é celebrar o feminino, o corpo e o que temos de mais bonito”.
No mesmo movimento que defende que a peça não deve ser exclusivamente usada de forma escondida ou para deixar os seios “em pé”, como era em outras décadas, cada vez mais os modelos sem bojo ou barbatana – chamados também de brallete – são alvo das mulheres, principalmente para desmistificar aquela ideia de que sutiãs são para serem vistos apenas na “intimidade”. Ledo engano. “Todas as mulheres estão assumindo o corpo da forma natural, sem querer aumentar os seios e nem fazê-los parecer maiores”, acredita a estilista.
Já Ana Elisa Santana, da marca de lingerie Picê Ateliê, acredita que o desejo de usar o sutiã como peça principal acaba guiando as criações. “As clientes estão aderindo ao uso aparente em diversas situações e a essa exibição é que não com o intuito sexual, e sim por questão de autoestima”, sugere.
Para usar já. Os novos modelos que pipocam no mercado, arrematados com renda e tule, por exemplo, são ideais para serem usados em looks mais ousados ou por baixo de camisas transparentes ou teladas.
“Dê preferência para modelos sem lacinhos e sem bojos, pois são lingeries românticas. Dê preferência aos modelos feitos apenas com a mistura de renda, forro e recortes de tules, criadas para ficarem à mostra”, ensina o stylist Alberth Franconaid. Vale combinar com conjuntos de alfaiataria ou até mesmo dispensar o blazer, combinando a calça de cintura alta e deixando um pouco da pele à mostra. “As combinações de sutiã ou body com jeans ficam bastante despojadas e perfeitas para o street style”, ensina.
Estilo e sustentabilidade
FOTO: JD filmes/divulgação |
Combinar peças confortáveis feitas a partir de iniciativas menos agressivas ao meio ambiente são pilares da neomarca Picê Ateliê, da sócia e estilista mineira Ana Elisa Santana. De forma geral, Ana cria peças feitas com algodão orgânico, produtos biodegradáveis, dentre outros. “Existem tecidos que, nos aterros sanitários demoram até 50 anos para se decomporem. O que utilizamos leva apenas três anos”, disse. Os tecidos são provenientes da Santaconstancia, que fica em São Paulo.
“Pequenas marcas têm dificuldade de trabalhar em escala industrial. Dessa forma, a Picê está nascendo no meio dessa situação, mostrando que uma marca nova pode ser completamente sustentável, sendo profissional e com grande projeção”, diz a estilista.
Além da matéria-prima ecológica, Ana Elisa também investe no reaproveitamento de tecidos que iam ser descartados de fabricas de lingerie localizadas em Nova Friburgo (RJ) e Juruaia (MG) – um caminho adotado por muitas outras etiquetas preocupadas em diminuir o impacto ambiental. “Os tecidos são bem menores, e isso demanda mais mão de obra. As modelagens são mais atemporais e, dentro dessa limitação, projeto para que a lingerie tenha outras formas de uso”, define.
A Picê pretende lançar, até o fim do ano, uma nova coleção em parceria com o Instituto Mano Down.