Superação

Passagem pelo quarto 65 muda vida de Guilherme 

O escritor acredita na sua recuperação e quer ajudar ainda mais as pessoas


Publicado em 01 de dezembro de 2015 | 04:00
 
 
 
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“Eram 11h47m. Nunca havia acordado tão tarde em toda minha vida. Respirava por um cano atravessado na minha garganta e comia por um tubo espetado na barriga (justamente na melhor fase da minha culinária). Estava usando fralda. Não sabia o que tinha acontecido comigo até então. Quis chamar alguém, mas não conseguia falar. Tentei levantar-me, mas não movia nem um dedo. Ouvi alguém falando com a minha mãe que eu estava na UTI há 14 dias dormindo”, relembra Guilherme de Freitas, 35, médico especialista em ortopedia e traumatologia e subespecializado em cirurgia do quadril, com atualização na University of Exeter, no Reino Unido.

O AVC de ponte, aos 33 anos, descortinou uma barreira implacável entre sua mente, completamente preservada, e seu corpo, também perfeito.

A síndrome do encarceramento, ou síndrome de locked-in, é uma doença neurológica rara, em que ocorre paralisia de todos os músculos do corpo, com exceção dos que controlam o movimento dos olhos ou das pálpebras.

A pessoa fica presa dentro do seu próprio corpo, sem conseguir se movimentar ou se comunicar, porém se mantém consciente e intelectualmente ativa. É como no filme o “Escafandro e a Borboleta”, baseado no livro de Jean-Dominique Bauby.

“Isso aconteceu no melhor momento da minha vida. Foi de repente. Eu estava em casa, senti uma forte dor de cabeça, como nunca havia sentido, aí caí, batendo o corpo e a cabeça contra a parede. Não sabia o que era, mas sabia que era grave. Cheguei ao hospital em tempo recorde. Meus pais são médicos, e somos donos de um hospital aqui em Uberlândia. Imediatamente eles aplicaram um remédio para desobstruir uma artéria que fica em uma área que faz ligação entre os impulsos cerebrais e o corpo”, conta Guilherme.

O médico não dá muita importância ao misticismo, mas não tem dúvidas de que no dia do AVC, os astros conspiraram a seu favor. “Meu irmão, que almoçava na casa da minha mãe às terças, foi lá na quinta. Eu morava a 800 m da casa dos meus pais. Quando ligaram, ele foi desesperadamente ao meu encontro. A namorada do meu vizinho almoçava na casa dele naquele dia, era professora de enfermagem, especialista em primeiros socorros. Meu irmão ligou para um neurocirurgião, que era muito amigo, mas sua secretária informou que ele estava viajando. No entanto, ele perdeu o voo e estava no hospital. Faltavam trombolíticos, que em menos de cinco minutos foram encontrados. Era o último frasco. A máquina de ressonância magnética estava estragada. Tinha voltado a funcionar naquela manhã”, relembra.

Guilherme ficou internado no hospital Santa Genoveva de Uberlândia por dois meses. Depois foi transferido para um hospital em Goiânia, onde ficou no quarto 65, título do seu primeiro livro, recém-lançado, em que conta de forma leve, bem-humorada, com extremo senso de humor e inteligência, tudo que aconteceu antes e depois do AVC.

Alegre, irreverente, amante da vida, de festas, formador de opinião, médico dedicado, no livro, que foi gestado em nove meses, ele revela sua visão de paciente, com as pessoas cuidando dele.

“Era angustiante a sensação de incapacidade. Nem cara ruim eu podia fazer, porque não tinha nenhuma expressão facial ainda, muito menos reclamar. A única coisa que estava ao meu alcance, diariamente, era agradecer pela família e pelos amigos que faziam, e ainda fazem, tudo por mim. Nos meus sonhos eu andava, corria, cantava bem alto, eu tinha muito mais cabelo”, conta Guilherme.

Ele digitou o livro todo sozinho. Hoje escreve em um teclado virtual. Em menos de um mês, mais de 1.000 livros foram vendidos. Guilherme já está escrevendo o segundo livro de contos, ainda sem título.

A melhora surpreende a todos e contraria sentenças médicas. Já consegue caminhar, amparado por alguém, dentro da piscina. Pronuncia muitas palavras, se alimenta sozinho. Sua comunicação com as pessoas se dá pelo olhar, pelo sorriso sincero e cativante.

Guilherme tem rompido com resiliência o casulo imposto pelo AVC. “Acho que nada nessa vida é por acaso, tudo tem um porquê. Quando clinicava, eu ajudava muito as pessoas, atendia de graça, mas entendi que era muito pouco. Minha missão é muito maior”, diz.

SERVIÇO: Quem quiser adquirir o livro pode fazer contato pelo telefone (34) 9971- 1913 e falar com Leila.

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