Comer deveria ser uma atividade prazerosa e saudável, mas tem se tornado um ato automático. Muitas vezes, em vez de satisfação, a refeição traz um sentimento de culpa. E o que deveria ser um processo natural se torna o cenário perfeito para o surgimento de um transtorno alimentar.
A alimentação consciente (“mindful eating”, em inglês) surge como alternativa para reverter esse processo. O objetivo é direcionar a atenção plena– tanto dentro como fora do corpo – para o ato de comer.
Um estudo, feito por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e ainda não divulgado, mostrou que ter foco na refeição diminuiu em 30% os episódios de distúrbios alimentares e em 100% a tendência para desenvolver os transtornos. Além disso, houve uma perda média de dois quilos entre os participantes, sem qualquer dieta ou prescrição de medicamento. De acordo com uma das autoras, a médica Vera Salvo, pós-doutora em saúde coletiva pela Unifesp, 40 pessoas – sendo 28 mulheres e 12 homens, com média de 38 anos – participaram da pesquisa.
No experimento – que durou dois meses e meio – eles se reuniam uma vez por semana para explorar os alimentos com os cinco sentidos. Primeiro com a visão, verificando cores, brilho, forma. Depois, com o toque, sentindo textura, temperatura e peso. Antes de levá-los à boca, sentiam o aroma e, em seguida, mastigavam-nos, dando tempo de explorar os sabores. Essa sequência tinha que ser consciente, não cedendo à tendência automática de engolir imediatamente.
Por fim, os participantes deveriam refletir e reconhecer como o corpo reagia a esse exercício. Depois de dez semanas, o resultado foi unânime: nenhum deles comeu além do que considerava necessário. Estavam todos saciados.
Há uma explicação para isso. De acordo com a pesquisadora Vera, a digestão implica a ação de uma série de hormônios que avisam o cérebro da chegada de alimentos. “Isso diminui a produção de hormônios do apetite e aumenta os hormônios da saciedade”, salienta. Estima-se que esses sinais demorem cerca de 20 anos para chegar ao cérebro. “Quando se come muito rápido e sem atenção, a tendência é ignorá-los, o que leva a um consumo maior de alimentos”, diz.
Origem. O mindful eating é uma variação da técnica meditativa chamada “mindfulness” (traduzido do inglês como atenção plena), válida para todas as atividades. “Qualquer tarefa feita com consciência plena permite-nos conectar com a qualidade das sensações de tudo o que nos rodeia a cada momento, sem nos sentirmos perdidos no mundo dos pensamentos. É assim que podemos observar que escolhas fazemos e que abordagem temos, por exemplo, em relação à alimentação diária”, aponta a psicóloga Valéria Palazzo, coordenadora do Grupo de Apoio dos Distúrbios Alimentares (Gadat).
Para todos. Além de dar resultado, a alimentação consciente é democrática. Qualquer pessoa pode fazer, mesmo sem transtorno alimentar ou tendência. Para isso, basta ter atenção plena às refeições e autocompaixão.
“Muitas vezes, o problema não é comida, mas a interpretação do ato. O peso também não deve ser o principal, mas as mudanças que vão sustentar a perda. O mais importante é que o método deve funcionar de acordo com as características e o tempo de cada pessoa para que ela não veja a comida como um inimigo. É um processo de construção”, afirma.
Esse sentimento deu certo para o psicólogo Paulo Faleiro, adepto da técnica desde 2012. “Já estudava sobre o mindfulness quando me deparei com o método. Aos poucos, fui inserindo-o no cotidiano da minha família. Focar na refeição, refletindo sobre todo o processo, desde o momento em que o alimento foi colhido até chegar à mesa, faz com que sejamos gratos e com que demos o devido valor à comida e ao corpo”, define Faleiro.
Mais qualidade de vida para obesos
O ato de comer conscientemente foi a alternativa analisada por pesquisadores da Universidade Católica Australiana para saber se era possível ajudar pessoas obesas ou acima do peso a ter uma melhor qualidade de vida.
Ao todo, eles avaliaram 15 estudos diferentes, envolvendo 560 participantes, e descobriram que houve, em média, uma perda de 4,2 kg, além do relato de melhorias físicas e psicológicas pelos seis meses seguintes às análises. O resultado foi publicado na revista “Obesity Reviews”.
De acordo com os especialistas, os efeitos gerais incluíram progresso nos comportamentos e nas atitudes alimentares e regularização do metabolismo com queda da massa corporal.
Já os impactos mentais e psicológicos envolveram a melhoria da metacognição, ou seja, a capacidade do ser humano de monitorar e autorregular os processos cognitivos, e a diminuição dos episódios que envolvem depressão, ansiedade e tendência a transtornos alimentares.
Como conclusão, os estudiosos acreditam que os participantes tiveram uma capacidade aprimorada de autorreflexão quanto às escolhas de estilo de vida, dificuldade emocional reduzida e maior conscientização das experiências corporais.