Entre tantos atendimentos durante um dia normal de trabalho em seu consultório, um marcou mais a médica e psicanalista Soraya Hissa. “Era dezembro de 2001, e, enquanto examinava um paciente tive uma vertigem violenta, como nunca tinha acontecido na minha vida. Veio de uma vez, para me jogar na cama”, recorda. Com um exame de ressonância magnética feito em frente ao seu local de trabalho, o diagnóstico: esclerose múltipla. “Para mim é a doença do ‘in’: incapacitante, imprevisível, insuportável e incurável”, diz.
Para conseguir custear os medicamentos que faziam parte do tratamento – que na época não eram oferecidos pelo governo –, a médica contrariou as principais recomendações. “Deveria evitar o estresse e picos de temperatura, mas não fiz nem uma coisa, nem outra. Uma caixa com 15 ampolas custava R$ 18 mil e durava um mês. Eu precisava cuidar dos meus filhos e dos meus pais e decidi que ia trabalhar em dobro”, diz.
No auge da profissão e achando que poderia ser mais “poderosa” que a doença, Soraya, hoje com 56 anos, lembra que continuou trabalhando mais de dez horas por dia, até que os sintomas a atingiram em cheio. “Em 2002 perdi totalmente a visão do lado esquerdo. Do lado direito ficou somente a visão central. Para ler, só com a ajuda de uma lupa”, conta. Em seguida veio a perda de sensibilidade das pernas. “Durante uma consulta, um paciente me disse que eu estava urinada e suja de sangue. Foi um choque. Um dia depois, já não conseguia mais me levantar”, diz.
Durante um ano e oito meses Soraya sentia a vida passar sobre uma cama. “Como tinha perdido a visão, deixei muitos cheques em branco assinados, e meu ex-marido foi usando o dinheiro. Até que um dia ele me disse que estava indo embora porque era bonito demais para empurrar uma cadeira de rodas”, recorda.
Com todas as limitações, a médica conta que decidiu abandonar o tratamento, que após dois anos não lhe havia trazido nenhuma melhora. “A minha infelicidade estava colaborando para a piora da doença. Decidi voltar para a medicina e fiz uma nova pós-graduação. Fui mais ouvinte, ‘assistia’ às aulas deitada”, diz.
O tempo foi passando, Soraya recuperou parte dos movimentos das pernas e, fazendo palestras e trabalhos voluntários, ela viu os filhos tomarem o rumo da vida. “Em março de 2012 eu gritei pela ajuda da minha cuidadora. Não estava me sentindo bem e enxergava uma luz. Hoje rimos disso, mas no dia ela achou que eu estava morrendo”, lembra. Nesse dia Soraya voltou a enxergar, após dez anos. Agora, com a doença estabilizada, a médica está se dedicando ao seu novo livro “A História de um Milagre”. “Hoje trabalho ouvindo o sofrimento dos outros e tentando aliviar”, diz.
FOTO: Editoria de arte |
Evento para conscientizar a população
No próximo domingo é celebrado o Dia da Conscientização Sobre a Esclerose Múltipla:
Data: 30 de agosto
Horário: Das 9h às 13h
Local: Praça JK - av Bandeirantes, 1.799, Sion
Evento: Médicos especialistas em neurologia e membros da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) irão distribuir panfletos e orientar os cidadãos sobre a doença. A ação integra a campanha “Esclerose Múltipla: Um Muro que Podemos Juntos Ultrapassar”.
Desmistificar a doença: “Na verdade as pessoas sabem muito pouco sobre a esclerose múltipla, há ainda muito equívoco sobre ela, muitos enganos, e a nossa expectativa é fazer com que as pessoas conheçam mais a respeito” , afirma o coordenador do Centro de Tratamento de Esclerose Múltipla da Santa Casa de Belo Horizonte, Antonio Pereira Gomes Neto.
Detecção precoce diminui as sequelas
Os sintomas difusos e também comuns a outras doenças costumam dificultar o diagnóstico preciso na fase inicial da esclerose múltipla. Porém, exames de imagem, como a ressonância magnética, podem localizar com muito mais precisão a instauração da doença no organismo e o seu estágio, segundo o neurorradiologista da clínica Axial, José Carlos Tadeu Martins.
“É preciso investir na fase de diagnóstico para tentar abortar a inflamação. Quanto mais precoce for a fase de atividade da doença, menor é a chance de deixar sequelas”, garante.
Pelo fato de a esclerose ser autoimune, o sistema imunológico do paciente não trabalha adequadamente. “É como se, ao invés de proteger a pessoa, ele passasse a fazer a atacar o cérebro e a medula”, explica o chefe do serviço de neurologia da Santa Casa de Belo Horizonte, Antônio Pereira Gomes Neto.
Dessa forma, o neurologista ressalta que os medicamentos existentes para o tratamento há mais de 20 anos atuam interrompendo esse processo. “As drogas tentam fazer com que a produção inadequada de anticorpos pare de acontecer”, afirma. Mas, como não funciona com todos os pacientes e as pesquisas sobre a doença cresceram muito nos últimos anos, Neto alerta para os riscos de novas apostas, como a vitamina D.
“Há muito tempo se sabe que ela é parte importante desse processo inflamatório, que pode desencadear essa doença e muitas outras, que existe mais esclerose múltipla em regiões menos ensolaradas. Por outro lado, não existe nenhuma evidência científica de que tratar esses pacientes apenas com vitamina D tenha qualquer valor”, diz.