Entrevista

'Minecraft' leva a garotada para o mundo dos livros

Morador de Belo Horizonte, Anotsu publicou “Annabel & Sarah, “A Morte é Legal e “Rani e o Sino da Divisão; mas foram suas aventuras no mundo do videogame, “A Espada de Herobrine e “A Vingança de Herobrine, que levaram editoras estrangeiras a fazerem leilão pelo direito de publicar sua obra


Publicado em 11 de junho de 2016 | 03:00
 
 
 
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Quatro dos dez livros infantojuvenis mais vendidos no país em maio são ligados ao universo dos games, segundo o Publishnews, especializado em mercado editorial. A meninada passa horas jogando, e depois ainda mergulha nas histórias escritas por outros jogadores. O fenômeno é mundial e sem fronteiras. Tanto que o mineiro Jim Anotsu, 25, morador de Belo Horizonte e estudante de letras na UFMG, acaba de fechar contrato com a Penguin Random House, do Reino Unido, para publicar, em países de língua inglesa, seus dois livros cujas aventuras se passam no universo do game “Minecraft”: “A Espada de Herobrine” e “A Vingança de Herobrine”. No Brasil, eles são publicados pelo grupo Autêntica (Gutenberg/Nemo). Ganharão também publicações na Itália, Polônia, França, Portugal e Alemanha.

Herobrine, no mundo do game, é a lenda que aterroriza os jogadores de “Minecraft”. Ele seria uma espécie de fantasma que foi adicionado ao jogo, e seria uma homenagem ao falecido irmão de Markus Persson, o Notch, criador do game. Em “A Espada”, Arthur e sua irmã Mallu não são o melhor exemplo de união. Mas eles são transportados para o Mundo da Superfície no universo de “Minecraft”, e têm que se unir na marra. A dupla precisa descobrir um caminho para casa antes que o Rei Vermelho, um controlador de monstros, os capture. A única esperança parece residir na antiga lenda de Herobrine, a pior criatura que já viveu por lá. Jim Anutsu, que adotou esse nome (“por razões secretas”, ele diz) ainda adolescente, conta que só queria brincar de escrever, porque estava travado em um trabalho, relata como as crianças “pegam” todas as referências do game nos livros, e como essa literatura gamificada pode abrir as portas para um gosto maior por livros.

Os seus livros anteriores não se passam no universo dos games. Foi esse mundo “Minecraft” que te projetou para fora do Brasil?

Pois é, saindo do quintal de casa. Meus anteriores não tinham nada a ver diretamente com games (meus personagens sempre eram fãs, nerds e tudo mais), mas eu nunca tinha trabalhado o mundo de games especificamente. E acabou que sim, foram os livros de Herobrine que chamaram a atenção do mercado exterior.

Você joga “Minecraft”?

Eu já jogava antes mesmo. Eu sou um geek completo, que passa horas jogando mil coisas, assistindo seriados e coisas do tipo. Então, eu já jogava “Minecraft” quando ainda era bem “low profile” e a maior parte das pessoas jogando eram adultos (ao contrário de hoje, que tem muitos adolescentes e crianças).

Você acha que livros com conteúdo como os seus cumprem um certo papel, de levar a literatura a uma geração acelerada e que tem preguiça de ler?

Eu acredito que sim. Acho que criar o gosto pela leitura é o primeiro passo. Alguns pais acham que toda criança deveria já começar lendo Faulkner e John Milton e consideram o resto como “modinha porcaria”, mas se esquecem do fato de que as crianças estão realmente gostando de ler aquilo que chama a atenção delas. Então, acho que o primeiro passo é criar o gosto pela leitura, seja com “Minecraft”, “Diário de um Banana”, quadrinhos ou “Coleção Vaga-Lume”. Depois disso, o próprio leitor se torna mais seletivo sobre o que gosta de ler. Eu cresci com Harry Potter e Artemis Fowl, e isso me levou pra uma graduação em Letras e focado em literatura inglesa – ao ponto de eu ter Shakespeare tatuado no braço, meu autor favorito.

A gente vive uma moda de youtubers que publicam livros, inclusive no universo gamer, que usam uma linguagem adolescente de internet e pretendem interagir com o virtual. Os seus livros são bem diferentes disso, não?

Eu faço o mais diferente disso possível. Muitos livros de celebridades são feitos por ghostwriters, não é a minha coisa, mas entendo. Mas, mais do que isso, eles subestimam os leitores, tratando como crianças vazias (o que é uma ofensa para as crianças, que têm universos internos muito complexos, vide “Onde Vivem os Monstros”). Quando eu comecei a escrever “Herobrine”, decidi que escreveria um livro de aventura que por acaso se passaria dentro do Overworld. Então coloquei tudo que gosto ali, um arco narrativo, vilões, heróis e mistérios, além de referências de Shakespeare a Eminem. E foi justamente esse diferencial que chamou a atenção do povo lá de fora, eu não tinha blog, vlog ou coisa do tipo, mas esse approach fez a diferença. Tanto que em todos os países estrangeiros houve leilões pelos dois livros (o que eu acho legal, porque agora meu livro está até na Índia).

Já deu, dá ou vai dar para ganhar dinheiro fazendo literatura gamer?

Acho que hoje posso dizer que sim, sabe, antes só havia a fome. Comprei um veículo zero, completei coleções de mangás e vou comprar um apartamento com dinheiro de livros, então, acho que deu – e dá, embora muita gente duvide ou fique desanimada com o pensamento. Como diz a música, tá tranquilo, tá favorável. Sei que tudo é fase e pode ser que tudo mude amanhã, mas por enquanto minha coleção de One Piece (mangá escrito e ilustrado por Eiichiro Oda) vai continuar em dia. O que é meio que uma bênção, porque no Brasil é muito difícil autor conseguir viver de livros.

Você tem retorno de leitores sobre o que eles mais gostam? Seu público é mais infanto-juvenil mesmo?

Sim, tenho muito retorno. Em todos os eventos que vou – neste ano fui de Porto Alegre até Cachoeiro do Itapemirim –, os leitores conversam, falam o que gostam, como jogam e tudo mais. Para tristeza dos pais, que ficam: “Ele está incentivando meu filho a continuar no vício”. Meu público antes de “Herobrine” era o de YA (Jovem adulto, bem adolescente). Com “Herobrine” eu encontrei a turma do Middle Grade (as crianças de 8 a 12 anos). E eles pegam todas as referências (e perguntam quando não pegam). Acho que as crianças são muito mais espertas do que os adultos pensam e estão conectadas com tudo, Netflix, Minecraft, Playstation 4 e filmes da Marvel. Elas são capazes de desenrolar tramas complexas e captar tudo.

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