A Inteligência Artificial (IA) venceu os seres humanos – no milenar jogo chinês Go, pelo menos. O algoritmo desenvolvido pela empresa inglesa Google DeepMind conseguiu derrotar o campeão Fan Hui, considerado o melhor jogador da Europa (foto). O feito foi publicado no periódico “Nature” no fim de janeiro.
Go é um jogo de tabuleiro bem intuitivo e de regras simples. É jogado por dois participantes, um com peças pretas e o outro, com peças brancas. O objetivo é dominar mais de 50% do tabuleiro com suas peças – uma espécie de “avô” do conhecido jogo War.
Falando assim, pode parecer fácil. Mas cada jogada do Go tem cerca de 200 possibilidades de respostas do adversário. Isso faz com que o jogo tenha, no total, mais possibilidades de jogadas do que o número de átomos que existem no universo inteiro. Por isso, o fato de que uma máquina dotada de inteligência artificial tenha conseguido vencer a mente humana no jogo é um feito e tanto. “É a primeira vez que um jogador profissional perde uma partida para uma máquina”, constatou a Associação Britânica de Go.
Os jogos oferecem um desafio inofensivo de testar a capacidade das máquinas para aprender. Por isso, grande parte dos cientistas da área tem se debruçado sobre o tema. “Jogos são muito bons porque podemos rodá-los na nuvem, em tempo real, podemos fazer milhões deles ao mesmo tempo e é fácil medir os progressos. Além disso, eles são pensados por pessoas que não são da área de IA, portanto, você tem que enfrentar todos os tipos de problemas reais”, explica o fundador da DeepMind, Demis Hassabis. E o Go, por sua enorme gama de possibilidades, era visto, até o fim do ano passado, como um novo horizonte da IA.
Todo esse trabalho com os jogos serve de preparação para que a IA consiga, no futuro, executar tarefas que serão mais úteis aos seres humanos. “Hoje, mais do que nunca, temos a neurociência a provocar a IA com o desafio de novos mecanismos. Veja o prêmio Nobel da Química de 2015 com a descoberta de uma ‘caixa de ferramentas’ para reparar as células. Um dos grande objetivos da IA é a autonomia das máquinas (por exemplo, carro sem motorista)”, explica a professora Rosa Maria Vicari, do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mais tarde, segundo ela, a IA evoluirá para uma interação melhor com as pessoas.
Apesar dos progressos, isso está longe de acontecer. “Temos a consciência de que ainda conhecemos pouco. O que nos falta é conhecimento. Necessitamos de muito estudo e pesquisa”, reconhece Rosa. “Estamos longe de ter máquinas realmente criativas”, complementa Hassabis, da DeepMind.
FOTO: Youtube/Reprodução |
Recorde.Na última semana de janeiro, os engenheiros de software Jay Flatland e Joe Rose lançaram seu novo robô, capaz de resolver um cubo mágico em menos de um segundo. O recorde robótico era de 2,4 segundos, e o humano, de 5 segundos.
Máquinas são melhores no xadrez
A primeira vez na história que uma máquina venceu a inteligência humana foi quando o computador Deep Blue, da IBM, derrotou o campeão mundial de xadrez da época, Garry Kasparov. Isso foi em 1997, e o feito foi considerado um divisor de águas nos estudos de uma inteligência artificial que, na época, ainda engatinhava.
As disputas do mestre contra a máquina começaram em 1996. Seis partidas foram jogadas, todas com vitória de Kasparov. No ano seguinte, mais seis partidas. Dessa vez, a máquina venceu a segunda. Abalado, Kasparov perdeu a terceira partida. Outros três jogos foram realizados, todos terminados em empate.
O que a IBM só admitiu anos depois, no entanto, foi que o que garantiu à máquina a vitória foi um “bug” (defeito de programação). Kasparov fez uma jogada “pegadinha” em que os computadores sempre caem. Por conta desse “bug”, o Deep Blue não caiu na armadilha e acabou ganhando o jogo.
Análises posteriores da partida indicam que tanto Deep Blue quanto Kasparov deixaram passar uma jogada que poderia ter dado o empate para o humano. Dizem por aí que foi justamente essa derrota que fez o mestre do xadrez pedir a aposentadoria.
Mas não era para tanto. Até os pesquisadores e desenvolvedores de programas de IA reconhecem o valor do jogador. “Nessas partidas, fiquei mais impressionado com a mente de Kasparov, porque Deep Blue foi elaborado por um time de programadores, junto com um time de mestres de xadrez, tentando colocar algum conhecimento do jogo dentro de um algoritmo”, declara o fundador da DeepMind, Demis Hassabis. A grande diferença entre a Deep Blue (“campeã” de xadrez) e a DeepMind (“campeã” de Go) é que, na primeira, os programadores elaboraram respostas para todas as possíveis ações de Kasparov. Já DeepMind é uma máquina realmente capaz de raciocinar as jogadas.