No reino de Deus um excesso desencadeia outro, a natureza procura o equilíbrio. Os anticorpos partem para o ataque dos invasores. Uma ação agressiva gera uma reação proporcional.
Os orientais simbolizam nosso universo dividindo-o entre duas partes perfeitamente iguais, metade dele na cor branca e metade na cor preta, yin e yang, ou forças centrífugas e centrípetas. Assim como se dividem em partes iguais o dia e o ano, metade de luz e outra de escuridão. O tabuleiro de xadrez é uma divisão equânime, e bem por isso o piso de alguns templos é marcado por duas cores, claras e escuras, simbolizando a caminhada do fiel entre duas forças. Anjos e demônios. Bandidos e mocinhos.
Embora o céu no Brasil tenha fama de risonho e límpido, os sistemas de direita e de esquerda se alternam aparecendo no começo como panaceias, em seguida perdendo o ímpeto que lhes deu vida, chegando à decomposição econômica e à queda ruinosa.
E, quando a economia vai mal, o desemprego se abate sobre o povo, o sofrimento aumenta, morre a esperança, componente da vida humana que sustenta a perspectiva de dias melhores. Ou seja, que o esforço valha a pena. E, se a tudo isso se somam as dores e privações, apela-se a qualquer tratamento drástico e até imediatista. Qualquer elixir mágico passa a ser “aceitável”.
Perscrutando a paisagem pelo retrovisor do Brasil, pode-se entender que escolhemos governantes que ofereciam perspectivas de continuação de um ciclo de prosperidade, ou de substituir um sistema em apuros. Quanto maiores as dificuldades, mais forte a tendência de sobressair uma proposta nitidamente em contraposição ao fracasso.
Como o prato da balança carregado levanta o outro, uma eleição transcorre, fatalmente, nessa condição. Dessa forma podemos compreender o fenômeno de Jair Bolsonaro, detectado em todas as pesquisas mais recentes.
Embora carente de virtudes políticas, de experiência administrativa, de moderação e de propostas programáticas, ele foi deslocado nas alturas pelo prato oposto que transborda de “temor” de um retorno de Lula. Esse sentimento move uma parcela cada dia mais numerosa, saturada de “lava jatos” e escândalos, e a empurra para o curral de Bolsonaro.
Na realidade ninguém quer um Brasil de marcha à ré e envergonhado pela maior corrupção já vista no planeta. Bolsonaro surge na contramão, é uma reação, e tem como seu maior eleitor e razão de crescimento o Lula.
O ex-presidente, das “bolsas”, é líder das pesquisas, mas também líder das rejeições, e, quanto mais se firma no horizonte sua possível volta, mais eleitores são levados para o candidato Bolsonaro. Dessa vez com os tucanos em apuro, a alternativa “militar” e radical, de pouca conversa propositiva e de “cassetete”, brilhando de “anti” mensalão, petrolão e quadrilhão. O resto, para essa parcela do eleitorado, “que se dane”. É o voto de vingança contra PT e PSDB, contra o status quo, contra os dois partidos irmanados na desgraça gerada por delatores.
Bolsonaro representa o final dos tempos, o “condottiere” do Armagedom, a amputação sumária daquilo que gangrenou e precisa ser extirpado para poder sobreviver. Lembra o sentimento nacional que alavancou, em 1989, para o segundo turno, Fernando Collor e Lula, ofuscando as opções mais moderadas de Ulysses Guimarães, Mario Covas e Leonel Brizola.
Pode-se esperar, em breve, que Bolsonaro atraia mais seguidores na parcela estressada da sociedade e ultrapasse nas preferências momentâneas do eleitorado o Lula, como até jornais ingleses consideram ser iminente. É nesse cenário que a presença de Lula facilita Bolsonaro, e vice-versa, e que outros “contaminados pela Lava Jato” constantemente expostos nos noticiários a reforçam.
A saudade do regime militar retorna, a defesa da ordem e do progresso parece-se com a flor de lótus no chorume que escorre do Congresso Nacional.
Falta hoje um ano exato para as urnas revelarem o que o eleitorado escolherá. Lula torce para Bolsonaro, assim como Bolsonaro para Lula ser seu adversário, já que, data venia, num duelo sem um ou outro, as tendências mais moderadas poderão ter maior viabilidade.