A jabuticaba, a manga, a laranja-serra-d’água (chamada de laranja-lima pelos cariocas), o mamão, o abacaxi, a goiaba, a pitanga, a mexerica e o jatobá, além de muitas outras frutas, tomaram conta de minha infância não só em São João del Rei, de onde saí aos 4 anos, mas, sobretudo, em Belo Horizonte, aonde cheguei e, apesar de algumas ameaças de sair daqui, onde me quedei. Aqui estudei, me casei e tive filhos. E aqui, certamente, terei minha derradeira morada (na Terra, claro, pois, na outra vida, não sei por onde finalmente andarei).
Raro era o proprietário de casa, leitor, na velha, querida e inofensiva cidade vergel, que não plantasse, em seu quintal, alguns pés dessas ou de outras frutas. Nessa época, os bondes, repletos de passageiros, chiavam sobre os trilhos, fazendo, quem sabe, um contraponto ao lânguido e doído apito dos trens, que partiam ou chegavam, ofegantes, a nossa Estação Central. Refiro-me à cidade dos postes no meio da rua ou da luz bruxuleante, que servia, como uma luva, às chorosas serenatas. O mestre Pacífico Mascarenhas que o diga.
A jabuticaba, porém, uma fruta de origem indígena, nativa da Mata Atlântica e pertencente à família Myrtaceae (ou mirtácea), genuinamente brasileira, embora existente em países da América Latina (Argentina e México, por exemplo), talvez seja a que mais me marcou, pelo fato, com certeza, de só dar duas vezes por ano: de julho a agosto e de novembro a dezembro, em plenas férias escolares. Além de muito apreciada, foi sempre a mais doce. Degustá-la ainda é um deslumbre.
Faço este introito, leitor, em defesa da doce e deliciosa jabuticaba, que, por ser genuinamente brasileira, passou a caracterizar o que de muito estranho acontece em nosso país. Quando ele incorre em erros grosseiros, como o que foi cometido na decisão que, na semana passada, nosso Senado Federal proferiu em relação ao pedido de impeachment contra a, hoje, ex-presidente Dilma Rousseff, é ela quem leva a culpa. Só que o que ocorreu é, frontalmente, contrário ao que estabelece o artigo 52, parágrafo único, da Constituição cidadã de 1988.
É claríssima a norma constante do artigo e parágrafo mencionados: “Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como presidente o do Supremo Tribunal Federal (STF), limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.
Como, então, entender o que fizeram no Senado?
Tão logo se iniciou a discussão sobre o assunto, e levantada a hipótese de “separação da perda de mandato da inabilitação política”, viu-se logo, pelo discurso do ministro Ricardo Lewandowski, responsável pelo desdobramento do quesito submetido aos senadores, que o “prato” já viera pronto em favor da presidente afastada. O que não se sabe, em sua inteireza, são os reais motivos para tal decisão, que simplesmente mudou, sem poderes para isso, a Constituição Federal.
Mais que tudo, enfim, causou perplexidade a decisão do ministro Lewandowski, que, se for procurado um dia pela reportagem, certamente dirá que “o juiz só fala nos autos”, deixando a seus pares a interpretação do que decidiu. E estes, se falarem, falarão em tese, pois dificilmente, e por mera prudência, alterariam a decisão do Senado.
A menos que a doce jabuticaba volte à cena.
Sob a presidência do STF, o Senado erra, mas a culpa é da jabuticaba
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