Tenho escrito muito sobre a pornopolítica brasileira. Que relação tem ela com os filmes verdadeiramente pornográficos?
Atualmente, come-se o Brasil como se comem as atrizes pornô. No filme pornô não se esconde nada, é tudo explícito. Os neocorruptos políticos de hoje também são explícitos. Os crimes políticos são cometidos sem culpa, como nos filmes pornográficos. Ninguém se envergonha mais de nada. O filme pornô estende sua luz para nos ajudar a entender o Brasil.
Na internet, na TVs, há uma grande congestão de putaria. Nunca se viu tanta sacanagem, no sexo e na política. Os filmes pornô são uma grande indústria que hoje movimenta bilhões de dólares. Tem até Oscar de filme pornô. Este ano houve grandes premiados em uma festa iluminada: “Bunda 2”, “Elas Preferem Anal”, “Bocas Gulosas”, “Boneca Tarada” e “A Bunda Manda e o Bundão Obedece”. A política também movimenta bilhões com bocas gulosas e mãos grandes para desconstruir nossa indústria.
Há um grande despertar de pornografia e de corrupção não só no Brasil, mas no mundo todo. Creio que é resultado da urgência de compensações de prazer e poder diante da vida desolada que se dilui em tragédias e óperas bufas. O despudor é fruto de uma aceleração do tempo também. Não dá mais tempo para a honestidade, não há mais tempo para o amor. O amor não se vê, a pornografia sim. O amor idealizado acabou; a sexualidade é mais imediata. Ninguém se masturba por amor.
O filme pornô aspira à visibilidade total dos corpos. Na política atual há a visibilidade total de todos os malfeitos e nada acontece, pois nada acontece e nada aconteceu. Nada prova nada. A visibilidade é cada vez maior e diante dela lamentamos nossa impotência. A política aspira à mentira e o filme pornô busca a verdade absoluta do sexo. Até onde pode ir o prazer? Como atingir o orgasmo absoluto? Um orgasmo que explique o mundo. A pornopolítica explora nossas fantasias populistas, a pornografia programa nossos desejos secretos. Antigamente, as masturbações eram literárias, exigiam imaginação do doce punheteiro e muito contribuíram para a literatura nacional; hoje a masturbação é parte de um “stream” digital que programa nossos desejos. O filme pornô faz tudo visível, nada se nega, tudo se exibe para ocultar com os corpos nus a fragilidade de suas vidas. O filme pornô quer nos mostrar o impossível – os atores nos mostram tudo, até o interior de suas vaginas e anus, só não mostram seus medos. Mostram tudo para não mostrar nada.
Já no Brasil, a política prova que o impossível acontece, como por exemplo destruir a maior empresa do país num recorde mundial de roubalheiras. Na pornografia há ausência de pecado ou de culpa; na corrupção também – ninguém tem culpa, ninguém fez nada, ninguém sabe de nada.
Antes, a pornografia era vista secretamente, pelos cantos escuros; hoje a pornografia é uma luz geral que nos cega.
Em meio a tantas frustrações populares, a pornografia é um consolo. A pornografia estimula; a política deprime.
No pornô ninguém tem vergonha; em Brasília também não.
A pornografia sempre houve; em Pompeia vi bordeis de mil anos. Mas a pornografia não muda só no tempo – muda no espaço. A pornografia é geopolítica. A pornografia norte-americana é muito diferente da brasileira. Uma vez perguntei a um produtor de sacanagem: qual a diferença entre o pornô norte-americano e o pornô brasileiro? Ele sentenciou: a fome.
O filme americano mostra o sexo como luxo, como um excesso de civilização e de liberdade. No pornô brasileiro não há excesso – só carência. As mulheres parecem vítimas, sacrificadas com tristes gemidos. Os atores norte-americanos trabalham por um prazer perverso; os atores brasileiros por um prato de comida. O pornô brasileiro é social, é político. O pornô norte-americano é existencial. Nos pornôs brasileiros não há ‘decor’. Tudo se passa em quartos tristes, sofás rasgados e apartamentos sem pintura. O norte-americano brilha em luxuosos bordéis.
Mas, afinal, o filme pornô é documentário ou ficção? Os atores trepam na ficção. Mas o filme pornô, mesmo quando encena uma ficção, é um documentário. Ali, nada é mentira, e tudo o é.
O filme pornô é contra o cinema psicológico; quem evolui dramaticamente é o espectador, até o clímax.
O filme pornô não tem história, enredo, como os filmes de vanguarda, mas fazem sucesso de publico.
O filme pornô não tem começo nem fim – só tem o meio.
O filme pornô não tem alegorias e simbolismos. Um pau não sugere um poder “fálico”, um sonho de fertilidade. Um pau é um pau é um pau. O filme erótico “soft core” é hipócrita. O “hard core” é realista e corajoso. A única diferença entre os dois é: há ou não há penetração?
O filme pornô provoca inveja do pênis; em vez de ver a cena, somos humilhados pelos pirocões gigantes.
Os filmes pornô ostentam uma liberdade intolerável que ninguém tem. O filme pornô não deixa nada a desejar. Os orgasmos são tão triunfais que nos dão angústia de morte.
Depois de vermos um filme pornô ficamos tristes. Ficamos sozinhos, excluídos em pânica solidão, de mãos pensas. É o vício solitário, como os padres aludiam aos punheteiros.
Com a crescente desesperança, busca-se o óbvio, a coisa pela coisa, do sim pelo sim. Na pornopolítica como na pornografia nada é metáfora. Pau é pau, ladrão é ladrão mesmo de cabelos pintados de acaju ou de preto.
As vezes pinta uma grande arte no pornô; no “Garganta Profunda” há um close antológico de Linda Lovelace, em que ela termina um boquete, um “blow job” em um imenso minhocão, e ergue o rosto cheio de lágrimas, na cruz de um pênis gigante, como a Falconetti em “A Paixão de Joana D’ Arc”, de Dreyer.
Em suma, a pornopolítica é ruim; a pornografia é boa.
Clique e participe do nosso canal no WhatsApp
Participe do canal de O TEMPO no WhatsApp e receba as notícias do dia direto no seu celular
O portal O Tempo, utiliza cookies para armazenar ou recolher informações no seu navegador. A informação normalmente não o identifica diretamente, mas pode dar-lhe uma experiência web mais personalizada. Uma vez que respeitamos o seu direito à privacidade, pode optar por não permitir alguns tipos de cookies. Para mais informações, revise nossa Política de Cookies.
Cookies operacionais/técnicos: São usados para tornar a navegação no site possível, são essenciais e possibilitam a oferta de funcionalidades básicas.
Eles ajudam a registrar como as pessoas usam o nosso site, para que possamos melhorá-lo no futuro. Por exemplo, eles nos dizem quais são as páginas mais populares e como as pessoas navegam pelo nosso site. Usamos cookies analíticos próprios e também do Google Analytics para coletar dados agregados sobre o uso do site.
Os cookies comportamentais e de marketing ajudam a entender seus interesses baseados em como você navega em nosso site. Esses cookies podem ser ativados tanto no nosso website quanto nas plataformas dos nossos parceiros de publicidade, como Facebook, Google e LinkedIn.
Olá leitor, o portal O Tempo utiliza cookies para otimizar e aprimorar sua navegação no site. Todos os cookies, exceto os estritamente necessários, necessitam de seu consentimento para serem executados. Para saber mais acesse a nossa Política de Privacidade.