Prestes a completar um mês morando no novo endereço, o jovem casal resolveu que era o momento de receber os amigos. Não foram muitos, até porque o modesto apartamento de dois quartos não comportaria um contingente maior, mas os convivas eram animados, e a festa se estendeu até a alta madrugada. No dia seguinte, ele, ao sair, estranhou que o vizinho, que parecera tão boa praça nos encontros anteriores, não o cumprimentou quando se cruzaram no corredor do edifício. “Será que ele ficou incomodado com a festa ontem? Vou perguntar quando nos encontrarmos de novo”, pensou. Ela, por sua vez, teve a clara impressão de rispidez no tom de voz do porteiro ao lhe responder sobre a distribuição da correspondência que chega para os condôminos. O casal conversava sobre a atitude do vizinho e do porteiro enquanto seguia para um almoço na casa da mãe dela.
Quando os dois retornaram, no fim da tarde, notaram que o tapete de boas vindas na porta do apartamento havia sido surrupiado. Não deram maior importância, mas uma série de acontecimentos nos dias subsequentes os deixaram apreensivos. Na segunda-feira à noite, após voltarem do trabalho, se depararam com o andar em que moram, o sétimo, completamente às escuras. Desceram até o sexto e viram que estava devidamente iluminado. Foram perguntar ao porteiro do turno da noite se ele sabia o que havia acontecido e ele respondeu secamente que não. Quiseram saber que providência seria tomada e a resposta foi um “não faço a menor ideia” quase raivoso. O casal notou, ao longo da semana, que não só o vizinho e os porteiros, mas todos os moradores do edifício pareciam transbordar animosidade.
Nos dias que se seguiram, o casal teve um conjunto bastante desagradável de surpresas. Primeiro, encontraram o vaso de planta que enfeitava o corredor destruído. Depois, tiveram que lidar com um saco de lixo com restos de comida podre colocado em frente à porta do apartamento. As luzes seguiam queimadas. Durante três noites consecutivas foram impedidos de dormir pelo barulho incessante e ensurdecedor do que parecia ser uma marreta batendo em uma bigorna, vindo do apartamento de cima. Comentaram com o porteiro ranzinza e com dois ou três moradores do edifício com quem se encontraram no elevador e todos fizeram pouco caso, disseram não ter ouvido nada e não saber do que se tratava.
A situação chegou às raias do insuportável duas semanas depois, quando, ao chegarem em casa à noite, depois do expediente, encontraram a porta arrombada. Entraram no apartamento pé ante pé, apavorados, e foram perscrutando cômodo por cômodo, até constatarem, primeiro, que nada havia sido roubado e, depois, que uma galinha preta morta havia sido deixada sobre o fogão. O casal resolveu que se mudaria no dia seguinte.