Um país que não valoriza a sua história não vai pra frente, já dizia minha avó. História, isso temos de sobra. Falta mesmo valorizar acontecimentos e personagens.
É com muita felicidade que compartilho com você, leitor desta coluna, em primeira mão, que estou finalizando a biografia da DJ Sonia Abreu, uma jovem de 65 anos de idade que há 52 anos vem prestando serviços às pistas e ao rádio do nosso país.
Sonia segura o título de primeira DJ do Brasil e, além de discotecar, já teve vários papéis na música. Aos 13 anos, colocou voz num dos primeiros covers da Jovem Guarda. Aos 17, já fazia a programação da rádio mais influente de São Paulo, a Excelsior, através da qual lançou a épica coleção de discos A Máquina do Som. Aos 25 anos, lançava artistas que marcariam a música pop e a cena disco. Com uma dançarina e um robô cenográfico, lançou a moda das "intervenções performáticas" antes de os anos 80 começarem, com as apresentações da música Automatic Lover.
Aos 30, antecipando a febre dos sounds systems, criou uma rádio ambulante e levou música a ruas, praças, palcos, coretos e praias, consagrando a marca Ondas Tropicais. Aos 40, com mais de 20 músicos, foi frontwoman da Banda do Quarto Mundo, uma das primeiras do Brasil a investir em world music.
E isso são só algumas coisas em que Sonia esteve envolvida ao longo desse meio século no exercício de sua paixão, a música. Claro que há muitos causos, confusões, romances, epifanias... tudo isso estará no livro Ondas Tropicais – A história de Sonia Abreu, a primeira DJ do Brasil, que será lançado entre agosto e setembro deste ano pela editora Matrix.
Este será meu segundo livro, e o escrevo a quatro mãos com o jornalista Alexandre de Melo. Meu primeiro livro, Todo DJ Já Sambou, teve três edições esgotadas e também deve voltar ao mercado no final de 2017.
Num momento em que a profissão DJ passa por uma popularização tão grande que todo mundo se acha um pouco capaz de fazer pistas dançarem, um livro como este, contando a história de uma pioneira que estava na sala de parto de quase tudo, se faz extremamente necessário.
Mesmo sem saber, Sonia é um patrimônio deste país e já praticava o empoderamento muito antes desse termo existir. Se hoje as mulheres pedem espaço na música, em movimentos diversos espalhados pelo Brasil e pelo mundo, imagina o quão complicado deve ter sido para uma mocinha de menos de 20 anos se firmar como DJ de boate em plena era das discotecas – quando mocinha de bem devia estar, no máximo, numa pista de dança, e olha lá!
Foram tantos os momentos de pioneirismo de Sonia Abreu que fica difícil citar um só. Mas eu curto particularmente a ideia (um tanto maluca) dela, de sair a bordo de uma escuna pelo litoral de São Paulo e do Rio de Janeiro, tocando músicas lá do mar para quem estivesse curtindo a praia. Falando hoje já parece uma imagem totalmente moderna, imagina isso no início dos anos 80!
Essa imagem de Sonia no barco, levando música de graça às praias, simboliza muito bem o que ela mais gosta de fazer. Distribuir seu vasto conhecimento musical com o mundo. Sim, porque ela é estudiosa. Conhece sons do Marrocos, da França, da Austrália. Esta por dentro do drum’n’bass, mas também é antenada no pop e até no sertanejo. Sonia ama música muito além de labels e preconceitos.
O mais legal de estar metida na redação da biografia de Sonia Abreu é que, ao longo desses dois anos de imersão, nos tornamos muito próximas. É maravilhoso ver alguém com tanta estrada ainda (muito) interessada no seu métier. Ver a Sonia em ação hoje em dia é uma emoção à parte. Ela fica nervosa como uma estreante antes de entrar no som e enquanto está lá, brilha como Vênus.
Até que o livro chegue às prateleiras, quem se interessar em ouvir o trabalho de Sonia pode vê-la ao vivo, em sua residência mensal na Casa 92, em São Paulo, ou, mais fácil ainda, em seu programa semanal Ondas Tropicais na Rádio UOL.
Se ainda resta alguma dúvida sobre seu pioneirismo, listo aqui algumas das explorações da DJ
* Foi produtora musical da rádio Excelsior/Globo de São Paulo entre 1968 e 1978, período de maior audiência da emissora.
* Trabalhou na Som Livre, produzindo séries das coletâneas Papagaio Disco Club e Excelsior - A Máquina do Som.
* Tocou em discotecas na Inglaterra e Marrocos.
* Inaugurou a discoteca Papagaio Disco Club, em São Paulo.
* Assinou coluna na revista Pop.
* Ganhou disco de ouro pela vendagem de "Automatic Lover", de D.D. Jackson, um de seus muitos lançamentos.
* Criou a lendária rádio ambulante Ondas Tropicais, levando sua programação original para espaços públicos, primeiro a bordo de uma kombi, depois em um ônibus e até em um saveiro.
* Na 89 FM fez sucesso com o programa Dark Light.
* Na Brasil 2000 FM introduziu e consagrou a world music com Ondas Tropicais – A Música do Quarto Mundo.
* Formou a Banda do Quarto Mundo com 22 integrantes, lançando um CD pela Eldorado e participando de shows ao lado de Margareth Menezes, Jimmy Cliff e Yellow Man, entre outros.