Após uma eleição vitoriosa, João Amazonas (1912-2002), ideólogo do PCdoB, entra em cena: “A luta revolucionária dos povos é uma luta de mil faces: ela é luta eleitoral, ela é luta grevista, ela é luta cultural, ela é luta social; enfim, ela tem 1.001 aspectos” (“Roda Viva”, 20.2.1989). E assim ele estará na posse de Flávio Dino, o primeiro governador da história do PCdoB, e na de Dilma Rousseff.
Minhas memórias dele são repletas de ternuras – aquela fala mansa, porém firme, e as atitudes afetuosas comigo e com minha filharada. Nossas conversas eram intermináveis, um assunto emendava no outro... Assisti com ele, em BH, à abertura das Olimpíadas de Seul (XXIV Olimpíada, 17.9 a 2.10 de 1988, Seul, Coreia do Sul). Contagiava a sua empolgação com o espírito internacionalista das Olimpíadas: 159 países e 8.391 atletas, “a maior de todos os tempos!”, dizia ele.
A conversa fluía... Disse que não sabia nadar nem andar de bicicleta: “Nunca aprendi! E faz muita falta não saber!” De modo afável e emocionado, relembrou a pensãozinha em que se hospedava em Imperatriz na época da guerrilha do Araguaia. Recordou até o nome da dona e de seus filhos.
Incursionamos na trilha das festividades religiosas. Disse-lhe que decidira que a gastronomia religiosa do sertão na Semana Santa e no Natal faria parte da memória dos meus filhos, pois é patrimônio cultural a preservar. Disse que eu agia corretamente e que “não devemos fazer cavalo de batalha com essas coisas que o povo mantém porque aprecia! Nossas crianças devem ser criadas respeitando a cultura popular”.
Foi então que contou o que Augusto Buonicore relatou em “Simplesmente Edíria”, acontecido em um Natal no Rio Grande do Sul: “João e Edíria passaram por enormes dificuldades materiais. No Natal de 1961, não tinham nem mesmo como dar presentes para os filhos. Um casal de intelectuais comunistas, Rio-pardense Macedo e Leda Maria, deram uma festa na qual distribuíram brinquedos às crianças. Todos ficaram muito emocionados e jamais esqueceram aquele ato de solidariedade” (“Vermelho”, 26.12.2011).
Quando morei em Sampa (1992-1995), em todos os Natais recebia um recado: “Manda as crianças, quero vê-las!” Colocava os quatro no metrô – Débora, Lívia, Gabriel e Arthur, muito felizes, pois adoravam ver “o velhinho pai do partido”. Da primeira vez, quando voltaram, indaguei: “E aí?” Responderam como um jogral: “Mãe, ganhamos uma caixa grandona de chocolates!” Acrescentei: “E cadê?” Rindo, responderam em coro: “Comemos!” Nos anos seguintes, perto do Natal, a cena da caixa de chocolates do João Amazonas se repetia, e eu nunca vi um só chocolate, mas eles aparecem nas conversas das coisas belas de nossas vidas!
Ao receber um exemplar do meu primeiro livro, o “Engenharia Genética: O Sétimo Dia da Criação” (Moderna, 1995), falou sorrindo e alisando a capa: “Não é todo dia que uma grande editora publica comunista! O partido não cuida bem dos seus intelectuais, desde sempre. Foi assim na União Soviética”.
Poucos meses depois, recebi um recado dele convidando-me para uma homenagem a Álvaro Cunhal (1913-2005), presidente do Partido Comunista Português, e pedia que eu levasse um exemplar do meu livro para ele. “É o livro sobre ciências mais importante, escrito por comunista, depois de ‘Dialética da Natureza’” (Frederich Engels, 1883), disse João Amazonas a Álvaro Cunhal, deixando-me totalmente sem graça, e discorreu brevemente sobre o conteúdo do livro! São exageros do gostar. Sem mais palavras.
- Portal O Tempo
- Opinião
- Fatima Oliveira
- Artigo
Memórias: João Amazonas e as mil faces da luta revolucionária
Clique e participe do nosso canal no WhatsApp
Participe do canal de O TEMPO no WhatsApp e receba as notícias do dia direto no seu celular
O portal O Tempo, utiliza cookies para armazenar ou recolher informações no seu navegador. A informação normalmente não o identifica diretamente, mas pode dar-lhe uma experiência web mais personalizada. Uma vez que respeitamos o seu direito à privacidade, pode optar por não permitir alguns tipos de cookies. Para mais informações, revise nossa Política de Cookies.
Cookies operacionais/técnicos: São usados para tornar a navegação no site possível, são essenciais e possibilitam a oferta de funcionalidades básicas.
Eles ajudam a registrar como as pessoas usam o nosso site, para que possamos melhorá-lo no futuro. Por exemplo, eles nos dizem quais são as páginas mais populares e como as pessoas navegam pelo nosso site. Usamos cookies analíticos próprios e também do Google Analytics para coletar dados agregados sobre o uso do site.
Os cookies comportamentais e de marketing ajudam a entender seus interesses baseados em como você navega em nosso site. Esses cookies podem ser ativados tanto no nosso website quanto nas plataformas dos nossos parceiros de publicidade, como Facebook, Google e LinkedIn.
Olá leitor, o portal O Tempo utiliza cookies para otimizar e aprimorar sua navegação no site. Todos os cookies, exceto os estritamente necessários, necessitam de seu consentimento para serem executados. Para saber mais acesse a nossa Política de Privacidade.