Sensacional. Fantástico. Inesperado. Na manhã de segunda, passeando com o Bruno, eis que, como sempre, tomei o rumo do local onde jazia, inerte, o Del Rey de La Dengue, merecedor de duas crônicas aqui neste Magazine. Familiarizado com o trajeto, meu vira-latas preferido já erguia a pata para marcar seu território quando, ao virar a esquina, constatamos, estupefatos, a ausência dos restos enferrujados. Ora, o que teria sucedido? Há anos a sucata abandonada do veículo acolhia os pernilongos, as baratas, as moscas e dejetos de certos vizinhos mal-educados que usavam-na como depósito de lixo. De repente, num piscar de olhos – foi-se, escafedeu-se.
Aleluia! Toquem os sinos, façam um buzinaço! No asfalto, apenas os resquícios da sujeira que outrora recheavam o Del Rey. Cientes de minha atuação direta no episódio – notícias correm rápido – baratas sem-terra escapavam praguejando e dirigindo-me impropérios, patinhas raivosas erguidas aos céus. Uma bela motorista aproximou-se e, manobrando com desenvoltura, estacionou seu carro sobre os copinhos de iogurte e pets remanescentes. Para a mocinha, era apenas uma vaga livre de manhã cedo. Que sacrilégio, que leviandade! Quase pedi dois minutos de seu afobado tempo para relatar episódios da epopeia ali vivida e registrar a importância daquele local, agora histórico, para a comunidade da Serra. Porém, o Bruno já me puxava pela coleira, agitado; e lá fui eu meditando sobre as possibilidades daquele desaparecimento tão auspicioso.
Recordei tudo o que havia escrito nas colunas passadas; revi os e-mails dos leitores e explicações das autoridades e cheguei a três ou quatro suspeitos de serem os protagonistas do evento. Fosse quem fosse, o autor do resgate sanitário foi profissional: fez rápido, bem feito, discretamente e – mais importante – sem testemunhas. Escolheu o dia perfeito e a hora certa – madrugada de segunda feira, quando a ressaca física e moral do fim de semana ainda mantém na cama a maioria dos transeuntes habituais daquele trecho.
De volta à casa, batucando no teclado estas linhas, reduzi o número de suspeitos e cravei, com segurança, a alternativa mais provável: amigos extraterrestres. Ah, sem dúvida: foram eles, ETs, velhos companheiros de outras dimensões, ocupando o vazio deixado pelo poder público e agindo na surdina. Devo revelar que, discretamente, nas noites de lua cheia, mantenho colóquios secretos com os supra citados, só para não perder contato. Sinto muito a falta dos androides azuis-índigo do planeta Zyncon 79, desde quando minha nave, desgovernada, entrou na órbita terrestre e veio a colidir-se com a traseira de um trólebus que subia a Afonso Pena – tudo isso no século passado. Mas prefiro manter-me incógnito, misturado aos humanos, fingindo ser normal, e não me estender neste assunto delicado. Então, por favor: que isso fique só entre nós.
E já que os apelos deste modesto colunista semanal foram lidos atentamente no plano cósmico – provando a surpreendente penetração de O TEMPO em todos os segmentos de público e faixas de audiência (Classes A, B, C, D e agora, também, classe E, de Extraterrestres) – tomei certas liberdades. Encorajado pelo amigo Alfredo Ceolin e de olho no próximo carreto, comecei a preparar uma listinha de outras sucatas para imediata abdução e posterior desaparecimento nas profundezas do maior buraco negro disponível.
De cara escolheria dois ou três famosos políticos que, carregados de culpas, provas, evidências explícitas, óbvias e prováveis, continuam descaradamente soltos, palestrando e sorrindo para as plateias, seguros de sua impunidade. Como há espaço de sobra na nave, que tal reservar assentos também para esses facínoras que batem em mulher? Não fariam a menor falta e viajariam em companhia dos imbecis que maltratam bichos e depois, com risadinhas, postam suas atrocidades na internet. Estes teriam como destino a Ursa Maior, que os aguardaria de boca aberta, salivando.
Particularmente, acrescentaria à minha lista de passageiros alguns compositores que assassinam a música popular brasileira com as armas toscas de sua mediocridade e são regiamente pagos pelos crimes. Porém, como isso envolve gostos pessoais, temo ferir susceptibilidades; reservo-me o direito de manter em sigilo a pequena lista de 76 nomes. Tem mais gente para mandar pro espaço: autores de novelas e séries da TV, criando glamour em torno de personagens malandros especializados em safadezas, falcatruas, trambiques, violência banalizada e outras mazelas tipicamente nacionais. Que grande contribuição deixam para a meninada deste planeta – principalmente aqueles que já vivem no mundo da lua.
Pra encerrar, não incluiria nenhum desafeto, nenhum inimigo íntimo e pessoal. Felizmente, não me recordo de ninguém tão próximo que mereça o castigo do exílio estelar. Pensando bem, exceto, talvez, aquele cara que me tomou a namorada naquela hora dançante de 1966, bailou com ela “The More I See You” de Chris Montez, que bombava nas vitrolas, e – pior de tudo - revelou aos presentes que minha calça Lee era falsa, comprada num varejão turco da rua dos Caetés. Mas acho que já o perdoei.
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