O Oscar 2016 indicou oito longas-metragens para seu grande prêmio (melhor filme): “Mad Max: Estrada da Fúria”, “Spotlight: Segredos Revelados”, “O Regresso”, “Ponte dos Espiões”, “Brooklin”, “Perdido em Marte”, “O Quarto de Jack” e “A Grande Aposta”. Quatro deles (os últimos citados) concorrem em ao menos outra categoria importante: melhor roteiro adaptado. Até a data da premiação (28 de fevereiro), estou cumprindo o desafio de comparar os livros originais com suas adaptações. Comecei com “Perdido em Marte”, uma tradução fácil e benfeita. É que o livro é escrito como diário, detalhando elementos visuais. Na última semana, o foco foi “O Quarto de Jack”, que, apesar de ser um bom filme, não consegue transmitir o ponto de vista do menino, mecanismo que amarra o livro. Agora é o momento de voltar os olhos para o representante do romance na premiação.
“Brooklin” chegou sem fazer muito alarde. O livro publicado no Brasil em 2011 pela Companhia das Letras foi escrito pelo irlandês Colm Tóibín, que apesar de estar no seu 11º romance, não é muito conhecido fora da sua terra natal. A direção do longa ficou com o veterano do teatro John Crowley, que começa a se acertar com Hollywood. E o roteiro ficou por conta de Nick Hornby (autor de “Alta Fidelidade” e “Febre de Bola”), notícia que foi recebida com um pé atrás pelos fanáticos pelo cinema. Obcecado com personagens masculinos e suas motivações em seus livros, Hornby está construindo uma carreira de roteirista com uma temática absurdamente distante daquela que o move no romance: mulheres e seus desejos. Foi ele o responsável pelo roteiro de “Educação”, de Lone Scherfig; e “Livre”, de Jean-Marc Vallée. Ambos narram a história de mulheres que apanham da vida e devem tomar a difícil decisão de continuar em frente (figurativamente e literalmente). Descrição esta que se encaixa perfeitamente em “Brooklin”.
Seu mais recente lançamento gira em torno da jovem irlandesa Eilis Lacey. Sem nenhuma perspectiva de emprego ou casamento na Irlanda do pós-Segunda Guerra Mundial (imagine as ondas de demissão do último ano elevadas à milésima potência), a jovem vê sua irmã organizar sua viagem, só de ida, para os Estados Unidos, mais especificamente para o Brooklyn. O livro é uma versão feminina de “Odisseia”, em que a menina que nunca havia passado uma única noite separada da mãe e irmã conhece o horror que é a viagem de terceira classe em um transatlântico, a convivência familiar e competitiva de uma pensão e a saudade dolorosa de viver longe de quem se ama. Ela ainda testemunha a chegada da comunidade negra ao Brooklyn, sente na pele o que significa sofrer preconceito por atender negros na loja onde trabalha. Eilis também conhece um rapaz italiano por quem acha que se apaixonou. Em nome desse amor, ela defende a profissão do moço (encanador) das críticas da sociedade e da família. Já aconteceu coisa o bastante para você? Pois essa é a primeira metade da história, antes de ela voltar para a Irlanda, conhecer um outro moço e… Bem, vamos deixar o resto da história para quem ainda não assistiu.
Resumindo, o livro é um épico sobre uma menina sem rumo que decide se encontrar nos Estados Unidos. O filme, não. Sem espaço para retratar tudo, Hornby e Crowley optaram pela prática higienista e retiraram toda e qualquer menção aos negros do filme. Grande maioria entre os habitantes do bairro nova-iorquino que empresta seu nome ao longa, imagino que a comunidade negra não tenha achado graça. Principalmente em um ano em que se discute que a ausência de atores negros entre os indicados ao Oscar é um reflexo da falta de oportunidades nos filmes. E apesar de retratar satisfatoriamente a vida de Eilis antes de transformar o longa em romance, o filme deixa claro que, nem tão no fundo assim, seu foco é a vida amorosa da moça. Mesmo com um roteiro simplista (ou talvez por causa dele), o longa é bem-sucedido como romance. Contida e tímida, Saoirse Ronan (Eilis) segura com maestria o papel com seus olhares e expressões. Emory Cohen (Tony Fiorello) faz bem a parte que lhe é dada: colírio. E Domhnall Gleeson (Jim Farrell) se redime do seu insípido General Hux de “Star Wars” fazendo bem o ex-elitista apaixonado.
No fim, a diferença entre o livro e o filme representa bem o abismo entre um romance escrito e uma obra de Hollywood. Enquanto o primeiro chama a atenção pelo excesso de descrições e pela tristeza infinita da moça que deve encarar uma nova etapa, o segundo varre a depressão (e a negritude) para debaixo do tapete, preferindo focar a coragem de quem ajudou a construir o país da cidade dos anjos. Isso fica claro no momento em que cada um prefere encerrar sua história. Para o Colm Tóibín, não há o que contar depois que Eilis, ainda na Irlanda, decide voltar, de vez, para os EUA. Já no filme hollywoodiano o final chega um pouco depois, quando, no ponto de vista deles, ela chega em casa. O filme não tem chance de levar o Oscar de melhor roteiro adaptado ou filme, mas é bom ficar de olho em Saoirse. Indicada na categoria melhor atriz, é a única com condições de tirar a estátua das mãos de Brie Larson (“O Quarto de Jack”).
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