Nelson Rodrigues disse algo mais ou menos assim: “A consciência do brasileiro é a polícia”, e os acontecimentos recentes no Espírito Santo dão plena razão a ele. Bastou menos de uma semana para que, na ausência de policiamento ostensivo nas ruas da Grande Vitória, lojas fossem saqueadas, ônibus incendiados, o comércio fechasse e os serviços essenciais entrassem em colapso. E, o mais grave, 140 e tantos assassinatos, mais do que o número de vítimas do terrorismo em Nice, Paris, Orlando e mesmo em ataques aéreos em áreas conflagradas da Síria ou do Iraque.
Tal como aquele escritor, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, preocupado com a possibilidade de que o mesmo visse a ocorrer naquele Estado, foi direto e reto: “A polícia é a última barreira contra a barbárie”. Isso significa que não há no país instituições capazes de garantir a convivência civilizada entre os cidadãos. Da família às leis, aos costumes, à religião e, mesmo, ao instinto de sobrevivência, nada parece prevenir a necessidade do uso legítimo da força na manutenção da ordem pública.
Há tempos venho mencionando aqui autores que, desde o final dos anos 70, foram responsáveis pelas melhores análises sociológicas do fenômeno da globalização e de seu impacto na vida social contemporânea.
Se, por um lado, a nova economia mundial foi capaz de tirar milhões de famílias da pobreza, por outro, ela favoreceu a brutal concentração da renda, mesmo em países como os Estados Unidos. A eleição de Trump, por exemplo, deveu-se, em grande parte, ao descontentamento das classes médias, cuja renda ficou estagnada nos últimos 15 anos, e ao desemprego da força de trabalho ligada aos setores tradicionais da economia.
Em relação à questão dos postos de trabalho sucateados pelas novas tecnologias, Castells argumenta que um enorme contingente de trabalhadores em todo o mundo, especialmente, nos países periféricos, estaria passando de uma posição estrutural de exploração para uma posição estrutural de irrelevância. Na impossibilidade de se articular favoravelmente com os grandes mercados consumidores, países dependentes da exportação de algumas poucas matérias-primas tenderiam a se inserir na economia global por meio de múltiplas atividades ilegais. Entre essas atividades estariam os tráficos de drogas, de armas, de mulheres e crianças para a prostituição e de órgãos para transplante.
Por outro lado, mesmo grandes empresas tenderiam a agir, ainda que parcialmente, nessa economia submersa, por meio de expedientes para fugir ao fisco, com práticas de suborno, lavagem de dinheiro e outras ações ilegais, como prova a recente experiência brasileira. Ora, tais atividades, somadas à corrupção de agentes públicos, envolvem um número absurdo de pessoas, favorecendo a emergência do crime organizado e a feroz resistência a reformas políticas que, eventualmente, possam contrariar os interesses de grupos, partidos e facções explicitamente criminosas.
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