Não faz muito tempo, o Carnaval brasileiro era uma festa marcada por genuína alegria, pelo deboche, pela dança e pelo canto. Belos sambas e marchinhas, muitas delas politicamente incorretas, eram entoados por todos os foliões nos blocos, nos salões e nos desfiles de escolas de samba por gente de todas as idades.
Esse padrão carioca de folia se repetia na maior parte das pequenas, médias e grandes cidades do país, com algumas variações regionais, sobretudo no Nordeste, onde ainda prevalecem velhas tradições locais de origem rural, como o bumba meu boi, o frevo no Recife e os bonecos gigantes em Olinda.
A Bahia, berço do samba, seguia um padrão semelhante ao do Sudeste, exceto pela mistura do profano com o religioso, como atestam o cortejo que leva à cerimônia da lavagem das escadarias do Bonfim e as oferendas a Iemanjá.
No Sudeste, o Carnaval passou por várias fases em que a tradição portuguesa do corso desaparece, o Carnaval de rua se resume aos comercializados desfiles de escolas de samba e de alguns blocos locais, seguidos por não mais de 500 ou mil foliões em datas preestabelecidas. Mais recentemente, a mesmice das escolas de samba foi incentivada por interesses comerciais em São Paulo, cidade que, como Belo Horizonte, era vista como o cemitério do samba. Infelizmente, nada se iguala às baterias e à ginga carioca.
Os bailes de salão praticamente desapareceram, e o Carnaval parecia ter entrado em recesso quase definitivo. Exceto na Bahia, onde o surgimento do trio elétrico empolgou multidões, atraindo turistas de toda parte. Muitas bandas e cantores ganharam notoriedade em cima de desajeitados caminhões. Mas aí o Carnaval se transformou em outra coisa. Em poucas décadas, o axé caiu no gosto dos jovens, inclusive da classe alta, à custa de um marketing comercial sem precedentes na história fonográfica brasileira.
Desculpem-me, mas o gosto musical e as preferências de qualquer tipo não são decisões pessoais, e sim frutos da insistente divulgação de produtos comerciais, como a música, que viram moda. As causas do avassalador ressurgimento ou, mesmo, do surgimento do Carnaval de rua nas grandes cidades brasileiras, sem qualquer tradição no ramo, estão a merecer estudos sociológicos.
O fato é que o Carnaval virou algo muito distinto, e aí me pergunto: qual é a diferença entre assistir a um sem-número de shows de axé, de rock e de funk durante o ano todo e ir para a rua durante o Carnaval para aplaudir as mesmas bandas e cantores em cima de um caminhão? Não há mais um canto uníssono, e sim a exibição de artistas que chegam ao cúmulo de interromper a música para dizer tolices ao público e, na maior cara de pau, pedir aplausos para uma multidão acossada por arrastões e tumultos que a polícia não consegue controlar. Com a palavra, Preta Gil e outras “estrelas” do rock, do funk e do axé.
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