Não fosse desonestidade, eu transcreveria literalmente, aqui, o discurso do senador Cristovam Buarque, esse político sereno, muitas vezes tido como indeciso e sonhador. Nesse discurso pronunciado no Senado, logo após as eleições de 2 de outubro, ele anuncia o enterro da esquerda e, mais especificamente, o enterro do Partido dos Trabalhadores. Rejeitando possíveis pechas de conservador ou direitista, Buarque enumera as condições que levam alguém a ser de esquerda.
A primeira delas é não estar satisfeito ou estar mesmo indignado com as injustiças e as condições de vida na sociedade em que vive. Mas há conservadores que também podem estar descontentes e, nesse caso, pouco se distinguem da esquerda.
Uma segunda condição é ter um sonho, uma utopia político-social que justifique seu engajamento na luta por uma sociedade mais justa e igualitária, embora, não necessariamente, democrática.
A terceira condição é saber aonde se quer chegar, o que exige a prática da política. Nesse particular, esquerda e direita não se entendem. Os chamados “conservadores” não se engajam em ações que visem a mudanças radicais e acreditam que o mercado se incumbirá de suprimir os males sociais.
Mas por que razão a esquerda teria sido fragorosamente derrotada pelo voto popular e, merecidamente, enterrada? Segundo o senador, o povo se cansou de suas propostas e não mais tolera os atos de corrupção nos quais ela se envolveu sem nenhum pudor. Podem argumentar que a corrupção sempre existiu, mas um mal não justifica o outro. Mesmo porque não se trata apenas de corrupção. Com ela vêm juntos o aparelhamento do Estado e o desmantelamento de empresas públicas, que deixaram de pertencer ao Estado para servir ao governo e a sua ambição de se perpetuar no poder.
O que mais surpreende é o apoio que o partido destituído ainda encontra entre intelectuais, acadêmicos e estudantes. Mas a verdade é que a esquerda nunca se indignou com a corrupção e, hoje, mesmo com muitos de seus dirigentes e aliados na cadeia, chega ao delírio de negar qualquer envolvimento com a roubalheira ou responsabilidade no desemprego de milhões de trabalhadores e a ruína da economia nacional.
As recentes reformas propostas pelo governo, sobretudo as referentes ao estabelecimento de um teto para os gastos públicos e ao ensino médio, ensejam manifestações de jovens estudantes devidamente orquestradas por partidos de esquerda. A invasão de prédios e a ocupação de escolas se justificam, segundo eles, para forçar as autoridades a estabelecer um amplo diálogo com a sociedade. O governador do Paraná, a exemplo do que fez, há algum tempo, o de São Paulo, disse na televisão que está aberto ao diálogo com os estudantes que ocupam escolas naquele Estado. Perda de tempo porque aos estudantes organizados não interessa o verdadeiro diálogo, e sim a demonstração de força, aliás, combalida pela mentira e pela desfaçatez.