Perdoe-me o leitor pela aparente nebulosidade do que passo a expor. Acontece que o senso comum nos leva, muitas vezes, a conclusões equivocadas sobre importantes fenômenos sociais que exigem maior rigor analítico. O mundo está um caos, e nós, atônitos, presas fáceis de ideias radicais, preconceituosas e autoritárias. Preocupam-nos, em especial, os fenômenos da violência individual e coletiva, do terrorismo e dos riscos que correm as democracias ocidentais, sinalizando para uma gradativa supressão dos direitos de cidadania.
Já tive a oportunidade de demonstrar num texto teórico que, ao contrário do que pensam os cientistas sociais, a cidadania é um fenômeno estrutural, decorrente da generalização das relações de mercado e da divisão social do trabalho, plenamente conhecido apenas pelas sociedades ocidentais capitalistas. Não é por acaso que, entre as três dimensões da cidadania identificadas por Marshall, a primeira e a mais importante delas é a cidadania civil, que surge no século XVIII com a formalização dos direitos de ir e vir, de crença religiosa, da livre escolha de trabalho e do estabelecimento de contratos. As outras dimensões da cidadania, a política e a social, se apresentam como subsidiárias da primeira e emergem, respectivamente, nos séculos XIX e XX, correspondendo, portanto, a distintas fases do desenvolvimento capitalista, da difusão das relações de mercado e do aprofundamento da divisão social do trabalho.
É Marx quem mais clara e diretamente se refere à igualdade e à liberdade (vale dizer, à cidadania) como traços específicos das relações de mercado. São esses processos que distinguem a sociedade moderna das sociedades primitivas ou tradicionais. Para Durkheim, o que garante a coesão social é, nas sociedades tradicionais, o conjunto de crenças e valores, em especial a religião; nas sociedades modernas, é a divisão do trabalho que torna as funções (e, consequentemente, os indivíduos) mais interdependentes do que nunca.
Na sociedade moderna, o trabalho constitui o elemento-chave da coesão social e da cidadania. Ora, o fenômeno do desemprego, que a globalização amplifica, inclusive no Primeiro Mundo, tem sido uma constante nas sociedades menos desenvolvidas, promovendo a exclusão social, a inconformidade e a adesão a atividades ilegais ou criminosas, responsáveis pelos altos níveis de violência individual e coletiva e pela instabilidade das instituições democráticas. Por sua vez, sociedades tradicionais que encontram no fundamentalismo religioso a inspiração para a luta contra a ameaça de desagregação social, representada pelos valores e costumes da modernidade, tendem a se opor por meios violentos às democracias ocidentais. Por sua vez, os intensos fluxos migratórios de mão de obra pouco qualificada e não documentada para os países ricos tendem a promover a desconfiança, a despertar a xenofobia e a gerar cidadãos de segunda classe, o que é, lógica e objetivamente, a negação da cidadania e, por extensão, da própria democracia política.
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