Lembro-me da Copa de 1982 – a primeira que acompanhei com alguma consciência –, quando a rua sem asfalto em que morava era decorada com bandeirolas e pinturas dos postes com o verde e o amarelo. Tudo feito pelos próprios moradores, que ainda cortavam bambus para fazer portais, estouravam bombas dentro de latas de massa de tomate e aproveitavam o clima das vitórias do time de Telê Santana para fazer as típicas festas juninas.
Pela idade, não tinha a mínima noção da realidade brasileira, mas também isso não importava nem mesmo para os adultos da minha família. Era o clima frio, os ventos para soltar pipas e o time de Zico, Sócrates, Éder e Valdir Peres que encantavam a mim e a todos os familiares e vizinhos. Era um gostoso sentimento de alienação geral.
Dasayev, o goleiro soviético, que tomou dois gols do Brasil na fase classificatória, era quem me inspirava a ficar até tarde em amontoados de areia tentando defender “canhões” chutados por garotos maiores. Não sei por que o russo me chamava a atenção. Talvez por ser o arqueiro da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, uma “nação” que me enchia de dúvida, pois sempre ouvia falar de comunistas sem saber o que era isso.
O futebol era um alento aos problemas da família. Um tio, que sofria de um tipo de esquizofrenia, curava-se subitamente neste período. Minha família, alheia aos murmúrios políticos de João Figueiredo, não percebia o lado financista do evento.
Nesse contexto, o Brasil acabou sendo eliminado prematuramente pela Itália do carrasco Paolo Rossi, mas fez bonito. A decepção pela derrota foi como uma facada no peito, uma injustiça com uma das melhores seleções de todos os tempos. Choramos de verdade.
A experiência de 1982 criou sensações fantásticas para as próximas Copas. Quatro anos demoravam muito para passar, e a expectativa crescia geometricamente com a aproximação da competição.
Em 1986, já com idade suficiente para entender algumas coisas, o país era outro. José Sarney já tinha feito seu plano cruzado e seus “fiscais” já estavam nas ruas controlando os preços, mas, no futebol, o aquecimento para a Copa ainda empolgava.
Eis que chegamos a 2014, com uma Copa no Brasil. Hoje, diferentemente dos anos 80 e 90, a população já não se empolga como antes, e as crianças, ao contrário das de minha infância, não saem mais para festejar nas ruas.
O aquecimento para a Copa é outro, completamente diferente do que se imaginava quando Lula trouxe o campeonato da Fifa para cá. Servidores insatisfeitos, sem-teto, sem-casa, metalúrgicos preocupados em perder os empregos, professores desiludidos, estudantes revoltados, rodoviários intolerantes e PMs em greve são os personagens das ruas.
A expectativa de ver a seleção entrar em campo é menor do que aquela que pretende pagar para ver se o movimento Não Vai Ter Copa irá progredir.
O mundial virou pano de fundo. Tudo bem. Vai valer a pena. Minhas filhas, que hoje não se importam em saber o nome do goleiro da seleção, mas sabem explicar o que é black bloc, serão testemunhas de que a Copa de 2014, por um motivo ou por outro, serviu para alguma coisa.
Clique e participe do nosso canal no WhatsApp
Participe do canal de O TEMPO no WhatsApp e receba as notícias do dia direto no seu celular
O portal O Tempo, utiliza cookies para armazenar ou recolher informações no seu navegador. A informação normalmente não o identifica diretamente, mas pode dar-lhe uma experiência web mais personalizada. Uma vez que respeitamos o seu direito à privacidade, pode optar por não permitir alguns tipos de cookies. Para mais informações, revise nossa Política de Cookies.
Cookies operacionais/técnicos: São usados para tornar a navegação no site possível, são essenciais e possibilitam a oferta de funcionalidades básicas.
Eles ajudam a registrar como as pessoas usam o nosso site, para que possamos melhorá-lo no futuro. Por exemplo, eles nos dizem quais são as páginas mais populares e como as pessoas navegam pelo nosso site. Usamos cookies analíticos próprios e também do Google Analytics para coletar dados agregados sobre o uso do site.
Os cookies comportamentais e de marketing ajudam a entender seus interesses baseados em como você navega em nosso site. Esses cookies podem ser ativados tanto no nosso website quanto nas plataformas dos nossos parceiros de publicidade, como Facebook, Google e LinkedIn.
Olá leitor, o portal O Tempo utiliza cookies para otimizar e aprimorar sua navegação no site. Todos os cookies, exceto os estritamente necessários, necessitam de seu consentimento para serem executados. Para saber mais acesse a nossa Política de Privacidade.