Os milhares de refugiados que estão fugindo da guerra na Síria e do Norte da África e buscam simplesmente a paz nos países europeus nos fazem lembrar um dos mais belos mitos da cultura grega: o de Báucis e Filêmon, transmitido por Ovídio em suas “Metamorfoses”.
Certa vez, Júpiter, criador do céu e da terra, e seu filho Hermes, princípio de toda comunicação, resolveram disfarçar-se de pobres e vir ao reino dos mortais para ver como ia a criação que haviam posto em marcha. Ambos se desfizeram de sua glória. Pareciam realmente pobres e andarilhos. Pediam ajuda a uns e a outros, e ninguém lhes estendia a mão. Depois de tanto peregrinar e de se sentirem alijados por todos, o que mais queriam era encontrar alguém que lhes desse uma mínima hospitalidade.
Até que um dia chegaram à Frígia, província das mais longínquas e inóspitas do Império Romano. Ali vivia um casal muito pobre, Filêmon (em grego, “aquele capaz de amar”) e Báucis (“delicada e terna”). Sobre uma pequena elevação construíram sua choupana, rústica, porém muito limpa. Foi lá que, ainda jovens, uniram seus corações. Viviam em grande paz e harmonia.
Eis que chegaram Júpiter e Hermes, disfarçados de pobres mortais. Qual não foi a sua surpresa quando o bom velhinho Filêmon, sorridente, apareceu à porta e, sem muito reparar, foi logo dizendo: “Forasteiros, vocês devem estar muito cansados e com fome. Venham, entrem na casa. É pobre, mas está aberta a hospedá-los”. Báucis logo se apressou em lhes oferecer dois tamboretes de madeira para se sentarem. Antes que os deuses manifestassem qualquer desejo, o casal começou a reanimar o fogo para aquecer a água e aliviar os pés dos dois hóspedes. Filêmon foi à horta atrás da choupana e colheu algumas folhas e legumes, enquanto Báucis tirava da vara o último pedaço de toucinho. De repente, tudo estava sobre a mesa em pratos quentes.
“Queridos hóspedes, vamos comer, pois vocês merecem se alimentar depois de tantas canseiras. Perdoem a simplicidade e a pobreza da cozinha”. Os imortais comeram à saciedade. Muito comovidos ficaram quando os dois velhinhos ofereceram a própria cama para que eles dormissem.
Quando Júpiter e Hermes estavam se preparando para dormir, eis que sobreveio grande e inesperada tempestade. Raios e trovões ribombavam pelo vale afora. Ocorreu uma inundação, vitimando pessoas e animais. Báucis e Filêmon se desculparam aos imortais e, apressados, preparavam-se para ajudar os flagelados, mas Júpiter freou a devastadora tempestade. Foi então que aconteceu a grande revelação. Júpiter e Hermes mostraram toda a sua glória.
O casal caiu em si. Os dois puseram-se de joelhos, inclinando a cabeça até o chão, para venerar os deuses presentes. Júpiter, depois, bondosamente, disse: “Façam um pedido, que eu, em agradecimento, vou atender”. Como se tivessem previamente combinado, disseram unissonamente: “O nosso desejo é servir a Deus nesse templo por todo o tempo que nos resta de vida”. Hermes acrescentou: “Eu também quero que façam um pedido para eu o realizar”. E eles, novamente, como se tivessem combinado, sussurraram conjuntamente: “Depois de tão longo amor e de tanta concórdia, gostaríamos de morrer juntos”.
Seus votos foram ouvidos e cumpridos. Filêmon foi transformado num enorme carvalho, e Báucis, numa frondosa tília. Em cima, as copas e os galhos se entrelaçaram. E assim, abraçados, ficaram unidos para sempre.
Quem passar por aquela região da Frígia, atualmente a Turquia, ainda hoje ouvirá essa fantástica história. Os mais velhos repetem sempre a lição: quem acolhe um pobre faminto hospeda anonimamente Deus.
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O mito da hospitalidade e os refugiados de hoje
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