Vivemos tempos de grande desamparo social. Ocorreu uma espécie de terremoto, desta vez não provocado pela natureza, mas pela própria política.
Houve um golpe da classe dos endinheirados, ameaçados em seus privilégios pelos beneficiados pelas políticas sociais dos governos do PT. Usaram para isso o Parlamento, como em 1964 os militares. A deposição da presidente Dilma Rousseff, eleita democraticamente, serviu aos propósitos dessas elites econômicas (0,05% da população, segundo o Ipea), que implicavam ocupar os aparelhos de Estado e assim garantir seu status histórico-social feito à base de privilégios e negociatas.
A corrupção, primeiramente detectada pelos órgãos de espionagem dos Estados Unidos e repassada a nosso sistema jurídico, permitiu instaurar um processo judicial que levou o nome de Lava Jato. Aí se detectou a trama inimaginável de corrupção que atravessa as grandes empresas, das estatais às privadas, os fundos e outros órgãos, dentro da lógica do patrimonialismo. A corrupção identificada foi de tal ordem que escandalizou o mundo. Chegou a quebrar Estados da Federação, como, por exemplo, o Rio de Janeiro.
A consequência é o descalabro político, jurídico e institucional. É falacioso dizer que as instituições funcionam. Todas elas estão contaminadas pela corrupção. A Justiça é vergonhosamente parcial, especialmente o justiceiro Sergio Moro e boa parte do Ministério Público, apoiados por uma imprensa reacionária, sem compromisso com a verdade. Essa Justiça revela uma fúria incontrolável de perseguição ao ex-presidente Lula e a seu partido, o PT, o maior do país. A vontade é de destruir sua incontestável liderança, desfigurar sua biografia e impedir que seja candidato. Força-se uma condenação, fundada mais por convicções do que por provas materiais, o que impediria sua candidatura, que goza da preferência da maioria.
A consequência é um sofrido vazio de esperança. Mas importa resgatar o caráter político-transformador da esperança. De santo Agostinho, talvez o maior gênio cristão, grande formulador de frases, nos vem esta sentença: “A esperança tem duas filhas queridas: a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a recusar as coisas como estão aí; e a coragem, a mudá-las”.
Neste momento, devemos evocar, em primeiro lugar, a filha indignação contra o que o governo Temer está perpetrando contra o povo, os indígenas, a população do campo, as mulheres, os trabalhadores e os idosos. Se o governo ofende o povo, este tem direito de evocar indignação e exigir sua saída, pois é acusado de crimes de corrupção, é fruto de um golpe e, por isso, carece de legitimidade.
A filha coragem se mostra na vontade de mudanças, não obstante os enfrentamentos, que poderão ser perigosos. É ela que nos mantém animados, nos sustenta na luta e pode levar-nos à vitória. Importa seguir o conselho do Quixote: “no hay que aceptar las derrotas sin antes dar todas las batallas”.
Uma dessas possibilidades é evocar o primeiro artigo da Constituição, que reza: “todo o poder emana do povo”. Governantes e políticos são apenas delegados do povo. Quando aqueles atraiçoam, o povo tem direito de tirá-los do poder, mediante eleições diretas.
O “Fora, Temer, e diretas já” não é mais um slogan de grupos, mas das multidões. A filha coragem deve exigir, por direito, essa opção, a única que garantirá autoridade e credibilidade a um governo, capaz de nos tirar da presente crise.
As duas filhas da esperança poderão fazer sua a frase de A. Camus: “Em meio ao inverno, aprendi que bem dentro de mim morava um verão invencível”.
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Santo Agostinho e a força política da esperança face à situação atual
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