Nada melhor do que fechar a série especial sobre o Oscar 2015 com o filme que eu realmente acredito que vai ganhar o prêmio de Melhor Filme. Em “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”, do diretor Alejandro González Iñárritu e indicado em nove categorias, o ator Michael Keaton parece viver o papel da sua própria vida. Riggan Thomson é um astro de Hollywood que, depois de fazer muito sucesso no fim dos anos 80 ao interpretar um super-herói, abandonou o papel há 22 anos (justamente quando, na vida real, o ator viveu o Batman, de Tim Burton, pela última vez). Decadente, sem a capacidade de levar grandes bilheterias para o cinema e disposto a recuperar a carreira, ele busca, agora, o reconhecimento ao dirigir e estrelar uma peça que ele mesmo adaptou para a Broadway. Nessa difícil tarefa, Thomson ainda sofre com a presença constante do alter ego do herói, que o provoca como um diabinho em seu ouvido, clamando para que ele não abandone o passado – isso sem contar com os mil problemas que vão surgindo nos bastidores do teatro, como a contratação de última hora do talentoso e problemático ator Mike Shiner (Edward Norton) ou os embates com sua filha, a ex-viciada e carente Sam (Emma Stone).
O filme é todo rodado em plano sequência, ou seja, sem cortes (ou quando o corte existe, você nem percebe, tamanha a qualidade da edição). Nenhuma cena é gratuita, e a impressão que dá é que estamos lá, nos estreitos corredores de um teatro da Broadway ou pelas ruas da turbulenta Nova York. Mas o mais interessante é que “Birdman” é uma crítica ácida às celebridades, em que a adoração e a admiração ao mundo da fama dá o movimento e a reflexão necessários à trama. Essa apreciação minuciosa e negativa é tão sutil que o filme é desenhado em um tom austero, mas em momento algum foge da boa comédia.
Em certo momento do filme, uma famosa crítica de cinema joga na cara de Thomson que ele não é nem nunca foi um ator verdadeiro, mas, sim, uma estrela produzida pelo mundo do entretenimento. Aquilo desce rasgando em sua garganta, sendo dificílima a digestão. Mais uma vez questionado, o ex-super-herói vai fazer de tudo para que ela esteja errada. Porém, isso o corrói ainda mais, deixando-o à beira de um ataque de nervos. O que deve acontecer com todo e qualquer ator. E não é só na área artística, não. Em alguma fase da sua vida, você vai se questionar, vai arrepender do que fez, ou não fez, e vai querer recuar.
O protagonista, às vezes patético, outras vezes divertido, tenta provar para si e para o mundo que ainda faz um bom trabalho, que é bem melhor do que muitos pensam dele. É assim que acontece com toda e qualquer celebridade (e muitos de nós também). Dando dois exemplos dentro do filme: o egocêntrico Mike Shiner sabe que é bom e, ao mesmo tempo famoso suficiente, e não quer agradar ninguém. Já do outro lado, está Lesley (Naomi Watts), que, estreando na Broadway, busca o reconhecimento a todo custo. Mesmo sendo tão diferentes, eles só querem aparecer. Assim como o próprio protagonista, assim como todo e qualquer ator. Eles vivem disso, precisam vender o peixe: querem se tornar ainda mais famosos, querem ser populares, atingíveis, querem alcançar o topo. E, mais uma vez, repito: é assim com a gente também. Queremos o holofote, buscamos a notoriedade, a glória. Esnobe, Shiner ainda solta: “A popularidade é a prima promíscua do prestígio”. Se fazemos tudo por uma curtida no Facebook, imagine o que não faz um ex-super-herói em depressão. Esse é o retrato da vida, não adianta andar na contramão.