Depois de terem tomado uma overdose delas mesmas, decidiram reservar a quinta-feira para o que batizaram de “Noite do Desveneno”. A ideia era cada uma levar seu vício de estimação para passear, expô-lo sem dó nem piedade em praça pública, e ver, se assim, aquela obsessão tão quentinha se sentia acanhada o suficiente para minguar até se tornar inofensiva.
Ontem, a primeira a falar foi Gisele. Na verdade, era assim sempre e o discurso não costumava mudar. A moça queria tanto respirar fundo, fazer uma coisa de cada vez, aprender a meditar, mas sofria da “síndrome do estar ocupado”. Desaprendeu a dizer não, a fazer uma refeição decente sem assistir televisão, a ir ao banheiro sem o tablet nas mãos. Enquanto abria seu coração, checou o email pelo smartphone e respondeu três conversas pelo whatsapp. As amigas aplaudiram, sem muita esperança.
Chegou a vez de Eliana, que minutos antes de se colocar no meio da roda, postou um selfie com a hashtag #omelhordemim. A semana tinha sido especialmente difícil, já que ela não conseguia encontrar explicação para a queda no número de likes, coraçõezinhos e seguidores que a perseguiu como uma hiena invejosa. Nada tinha saído do script, a foto do café no meio da tarde tinha a legenda perfeita – “relação profunda com a xícara” –, a barriga negativa foi devidamente registrada, a ida ao hospital para visitar a prima que acabou de parir recebeu o check-in cheio de mistérios, mas não adiantou. Naquela quinta-feira, Eliana se sentia rejeitada e carente e implorou para que as amigas trocassem os abraços por curtidas no seu Instagram.
A comoção foi interrompida por Ieda, ansiosa para contar que tinha conseguido reduzir o tempo gasto com fofoca em quatro horas por dia. Foi ovacionada.
Pena que o desempenho de Ieda acabou servindo para Dani se sentir ainda mais incontrolável. Logo ela que, do fundo do coração, estava se esforçando para ser uma pessoa melhor, menos estabanada, menos turbulenta, menos tudo. Só que nem todo empenho do mundo a impediu de comprar mais um tanto de coisa que nem cabia no seu armário. Recebeu o olhar cúmplice das outras, que já pensaram no bazar do fim de ano recheado das sobras do armário da amiga.
Terminaram a noite bebendo vinho, comprometidas em entender de uma vez por todas quando dizem por aí que não há felicidade maior do que precisar de pouco.