“Ronaldinho era como Houdini”. A sentença, dita pelo jornalista espanhol Ramon Besa (“El País”) ao analisar a passagem revolucionária do jogador brasileiro pelo Barcelona entre os anos de 2003 e 2008, me veio à cabeça na última segunda-feira, quando foi oficializada a saída de Ronaldinho do Atlético. A alusão feita por Besa ao lendário mágico ilusionista, arrisco a dizer, é a mais apropriada, a mais válida para tentar compreender o fascínio exercido pelo craque também sobre os torcedores do seu agora ex-clube.
Assim como quem um dia já foi ao circo, aqueles de lonas descoloridas e de terra batida, à espera do número no qual um elefante, sabe-se lá como, seria engolido dentro de uma cartola, o atleticano foi incansavelmente ao Horto, nos últimos dois anos. Não importava se o mágico não exibia mais os mesmos truques ou se algumas de suas surpresas já se mostravam desgastadas; ainda sim, aquele bruxo, de dentada proeminente, impressionava, e muito, a plateia.
No inconsciente do torcedor apaixonado pelo esporte – e o atleticano descobriu isso – ainda residem sentimentos e impressões infantis. Ao sair de casa para frequentar o campo de futebol, o torcedor ainda busca a fantasia do jogo, a brincadeira capaz de proporcionar uma fuga momentânea da realidade.
E, sinceramente, não foi a Libertadores nem a projeção internacional ou uma tal mudança de patamar do clube. O encanto verdadeiro da era Ronaldinho foi o encontro do torcedor do Galo com essa alegria improvável, o sonho escondido por trás do jogo de futebol capaz de fazer um marmanjo voltar à infância e vestir a máscara de seu ídolo.
Talvez seja difícil admitir ou perceber isso em uma época de resultados, de competências, de estatísticas, de dever no lugar do prazer e, principalmente, em um time tão carente de títulos. Mas quem foi ao Independência entre junho de 2012 e dezembro de 2013 não ia apenas pela certeza da vitória daquela equipe dentro de seu terreiro. Foi sempre na expectativa do chapéu, da falta perfeita, do passe para um lado olhando para o outro, do lançamento em um espaço inimaginável no meio da zaga adversária, da molecagem na comemoração do gol, da arrancada do meio de campo só parando com a bola na rede adversária.
Com Ronaldinho em campo, o Atlético e seu torcedores esqueceram a sina de um time apenas de raça. E, de agora em diante, sem R10, todos os atleticanos serão sempre mendigos, com pires na mão, como se define o escritor e historiador uruguaio Eduardo Galeano, a frequentar estádios em busca do bom futebol.
“Por sorte ainda aparece nos campos, embora muito de vez em quando, algum atrevido que sai do roteiro e comete o disparate de driblar o time adversário inteirinho, além do juiz e do público das arquibancadas, pelo puro prazer do corpo que se lança na proibida aventura da liberdade”.
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