A minha vida é dura
E duro é o meu cabelo
É black power
Todo mundo quer ter meu cabelo
E essa criatura
Por quem eu tenho apreço
Fala da minha conduta
Pra eu raspar o cabelo...
(Esnoba – Moinho)
Um caso de racismo velado veio à tona esta semana. Uma mãe denunciou que não conseguiu renovar a matrícula do seu filho de 8 anos porque a escola estaria implicando com o cabelo dele. Durante o ano, o garoto, que se chama Lucas, foi comunicado que deveria usar um corte de cabelo mais apropriado, pois o dele era cheio e crespo, e, portanto, inadequado para o ambiente escolar. Como a mãe não deu importância para advertência, ao tentar fazer a matrícula do filho para o ano que vem, ouviu que as vagas já tinham se esgotado, o que não era verdade, já que uma colega do menino conseguiu se matricular logo depois.
Se fosse o Lucas (que por sinal tem um cabelo muito legal!), eu é que não ia querer estudar em uma escola tão careta... Não sabia que esse tipo de coisa ainda acontecia no mundo, eu pensava que essas regras em relação a cortes de cabelo estivessem limitadas a escolas militares.
A diretora do colégio nega as acusações, mas acho que depois da repercussão toda que o caso teve, ela vai pensar várias vezes antes de criticar o cabelo de alguém... Ainda mais porque a mãe deu queixa e o delegado que abriu o inquérito afirmou que toda vez que uma pessoa é impedida ou tolhida de entrar em algum estabelecimento por causa da cor ou do cabelo, esse ato está caracterizado dentro da lei que apura os crimes raciais.
Isso me lembrou imediatamente de uma situação que um amigo meu também teve que enfrentar esta semana. Ele é escritor e está se formando em letras, na UFMG. É superapresentável, veste roupas bacanas... Mas ainda assim, ao tentar entrar na loja Windsor, no centro da cidade, foi impedido de passar pela porta. O vendedor que o barrou perguntou o que ele queria e quando respondeu que era um suspensório – que, por sinal, do lado de fora da loja, ele podia avistar –, meu amigo foi comunicado que não encontraria aquilo lá e que deveria procurar no Shopping Oiapoque.
Eu, no lugar dele, teria chamado a polícia na hora, acusado todo mundo de racismo e comprando todo o estoque de suspensórios na loja concorrente. Inclusive, algo parecido aconteceu no filme “Uma Linda Mulher”. Vivian, a personagem de Julia Roberts, vai fazer compras em uma loja chique. Porém, para as vendedoras, ela não estava vestida adequadamente, e – julgando que ela não teria dinheiro para pagar – a tratam mal e pedem que ela se retire. Ela sai. Mas em seguida, depois de gastar milhares de dólares em outras lojas, ela passa naquela em que havia sido desprezada e esfrega na cara das vendedoras a comissão que elas perderam. Seria algo assim que eu faria... Mas meu amigo, tímido que é, não fez nada. Virou as costas e saiu, com um grande sentimento de injustiça e impotência no peito.
E é também isso que o menininho do cabelo black power deve estar sentindo. A mãe dele falou que só gostaria que o filho se conscientizasse que ele é bonito do jeito que é, mas que, com todo o preconceito que existe, é difícil fazê-lo acreditar nisso.
Então aqui vai o meu recado para o Lucas e para todas as crianças que algum dia já passaram por algo parecido: Não deixe ninguém definir o que você é. Seu cabelo é lindo, está na moda, e você é um fofo. Não acredite em mentes estreitas, que pensam que o mundo tem que ter apenas uma cor, um formato, um jeito. O que faz a vida da gente tão interessante é a variedade. Se todos fossem iguais, tudo seria monótono e sem graça... Os desenhos com várias cores não são muito mais bonitos do que aqueles que têm uma só? Pois assim também é o nosso planeta. Viva feliz, se valorize e não ligue para quem tem a mentalidade estreita. Tenho pena dessas pessoas. Afinal, elas enxergam tudo cinza e não podem perceber o quanto é lindo o nosso mundo colorido.