O novo sistema de contas sociais das Nações Unidas procura apresentar uma métrica inovadora do desenvolvimento dos países e regiões. Enquanto o velho sistema somente considerava o que se produzia, o que se consumia e o que se investia por ano para medir o PIB, o consumo das famílias, a formação bruta de capital fixo e a participação do governo na vida econômica, o novo sistema quer saber o que está acontecendo com o meio ambiente nas sociedades nacionais e regionais.
Se esse sistema estivesse em operação no Brasil, poderíamos enxergar melhor a realidade e seu processo de decadência ao longo da última década. Estamos envoltos em duas crises: uma crise social e uma crise ambiental. A crise social está devidamente documentada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, realizada pelo IBGE trimestralmente. Ela mostra, por exemplo, que o trabalho informal foi o responsável pelos empregos gerados no país no ano passado e que a expansão dele tem elevado a concentração de renda. Mostra, também, que, somando o desemprego, a subocupação e o desalento, o número de brasileiros afetados passa dos 26 milhões, o mais evidente indicador da crise social.
Mas nosso desconhecimento sobre a crise ambiental é inequívoco. Com exceção de alguns indicadores, como o desmatamento da Amazônia e da Mata Atlântica ou a qualidade da água de nossas principais bacias hidrográficas, não dispomos de informações contínuas e sistemáticas sobre o que está ocorrendo com nosso capital natural e com o valor econômico dos serviços ambientais destruídos pelas atividades econômicas.
Em 1984 e 1985, trabalhei no Estado de Rondônia como consultor, colaborando na organização dos órgãos da administração direta e indireta do Estado, criado em 1982. O primeiro grande projeto de investimento foi a pavimentação da estrada ligando Cuiabá a Porto Velho. Foi um período de intensa movimentação econômica com o avanço do desmatamento na Amazônia, da mineração de cassiterita e da pecuária de corte. O cálculo do PIB estadual pelo antigo sistema apresentava taxas de crescimento invejáveis. Entretanto, pelo novo sistema, teríamos que retirar do PIB o valor econômico dos bens e serviços ambientais destruídos nos processos de uso predatório dos recursos naturais renováveis e não renováveis. Não seria surpresa se as novas taxas de crescimento viessem a se aproximar de zero, quem sabe sendo até negativas em alguns anos. O novo sistema mede tanto a criação como a destruição de valor.
Essa menor consideração pela crise ambiental se explica pelo fato de que a maior parte do povo brasileiro enxerga os ativos ambientais (florestas, bacias hidrográficas, ar puro, costas marítimas, etc.) do país e de suas regiões tão somente por seu valor de uso, esquecendo que são também um valor de legado para as futuras gerações. Da mesma forma, esses ativos ambientais, se bem preservados, conservados e reabilitados, são prestadores de serviços ambientais que têm valor econômico (polinização, sequestro de carbono, filtragem das águas, turismo ecológico, fauna e flora etc.).
Durante o ciclo de prosperidade da primeira década do século XXI, houve a expectativa de que a crise ambiental tivesse passado a ter prioridade no planejamento estratégico dos governos e das empresas no Brasil. Ledo engano. Na verdade, o meio ambiente se caracterizou como um bem de luxo que foi abandonado em tempos de crise: governos em crise fiscal desarticulam políticas públicas ambientais, e empresas em crise financeira tratam os impactos ambientais de seus projetos de investimento como peças de retórica em seus relatórios de marketing social.