Bastou um sopro, e a chama se apagou. Sem hora, minuto ou tempo certo. Pelo menos, não que alguém pudesse prever, desconfiar ou prevenir. A vida se foi. Chegou ao fim. Não houve sequer uma despedida. Não deu qualquer sinal de que estava terminando. Nem mesmo um aviso discreto. Nada naquele momento serviu de alento. Faltou um aceno. Rompeu a fronteira, e só. Fugáz. Sem equações complexas, sem explicações plausíveis. Sem dor. Pausou a respiração. E partiu. Surpreendente como sempre foi enquanto esteve por aqui.
E o que na vida deixou, já que teoricamente dela nada se leva? Histórias. De alegria. De dor. De emoção. De luta. De perseverança. De fé. De coragem. De mudança. Todas serão contadas com saudade. Uma saudade imensa. E ainda recontadas com respeito. Repassadas com sucesso. E, talvez, até refeitas, revividas.
É que ficou a continuidade do amor. A larga escala do sorriso. O fazer tudo ao mesmo tempo. Os planos que se misturam. O pulsar de ideias expressas sem medo e sem vergonha. O ritmo acelerado pra enlouquecer o tempo, quem sabe num presságio de que curto ele seria. A gana para enfrentar os dias bons e também os ruins. Tudo se perpetua pela construção de elos – os novos, os antigos, os reais e os imaginários.
Parecia que o mundo ia acabar em festa, em sorrisos. Tinha que ser na hora, mas tinha que valer a pena. Era preciso que os sentimentos fossem reais. E, se por acaso não fossem tão bons assim, estava tudo bem. Riríamos disso depois. Ela e nós. Talvez, nas muitas noites sem dormir permeadas de novidades sobre amores adolescentes. Nos planos mirabolantes de conquistas incertas. No andar descalço, no ficar à toa. Nas brincadeiras bobas que só a gente podia entender. Na dança. No agito. Nos planos. No humor leve. Na intensidade. Na cumplicidade de velhos tempos.
As lembranças que antes seriam celebradas num encontro serão guiadas, agora, também pela saudade. Da rua Bernardo Guimarães, das imediações, do condomínio, do terceiro andar, das subidas ao nono. Das últimas e recentes conversas, mesmo que tenham ocorrido via redes sociais. Lembranças até do encontro que não aconteceu, porque corríamos demais. Sem pensarmos ou supormos que não nos veríamos mais.
O tempo não espera. Corre ligeiro. Descompromissado. Vivendo a vida, driblando o fim, que um dia certamente vai chegar para todos, com ou sem sinais. Pensar em partir aumenta o querer estar em paz enquanto puder estar por aqui. Desperta o desejo de dias mais leves, com menos reclamações, menos brigas. As cores ganham novos tons, e as amizades, novos contornos. A família se torna alicerce, e o justo nos parece o caminho mais correto a seguir.
As palavras parecem ser poucas para as tantas coisas que precisam ser ditas. Mas diga. Sempre. Diga que está com saudade, diga que ama, diga aquilo que não quer guardar dentro de você. Seja gentil. Ofereça o melhor, livre-se do pior.
Hoje escrevi com pensamentos na Rachel, marcada pela foto na qual, aos 5 anos, não cumprimenta um ditador. Para mim, era apenas a Kel do 3, amiga dos velhos tempos. Partiu sem adeus. Estará no coração.