Prezado prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil. Tomo a liberdade de te escrever na primeira pessoa. Melhor gastar palavras com urgências urbanas do que com pronomes de reverência.
Em meio às festas de fim de ano, a Prefeitura de Belo Horizonte ganhou um presentão da Câmara de Vereadores. O projeto de Lei 11.096 autorizou a gestão a tomar emprestado até R$800 milhões para gastar como bem entender.
Você sabe bem, Kalil, que, na difícil situação financeira do município, o montante é alto. Deveria ser gerido com ampla participação social. Mas o presentão da Câmara é um cheque em branco: não estabelece prioridades, diretrizes ou metas para o investimento dos recursos.
A Prefeitura vai contrair uma dívida considerável e não sabemos para quê.
Em matéria deste jornal, o secretário de obras, Josué Valadão, afirma que os recursos incluem a construção de três viadutos na Avenida Cristiano Machado, visando “dar mais fluidez para o trânsito”. Em outras entrevistas, diz também que realizará obras para conter enchentes.
Em 2014, Belo Horizonte tinha outro prefeito, mas o Secretário de Obras era o mesmo. Um viaduto caiu durante a Copa do Mundo, matou duas pessoas, feriu 22 e abalou edifícios. Um ano depois, um levantamento da BHTRANS mostrou que o viaduto não fazia falta.
Os milhões gastos e as vidas perdidas poderiam ter sido evitados. A inutilidade do viaduto já era prevista há mais de meio século: em 1962 o economista Anthony Downs elaborou a Lei Fundamental do Congestionamento, que demonstra que a demanda de espaço pelos automóveis em grandes cidades é elástica, e que o aumento da oferta tende a ser saturado rapidamente.
A teoria, Kalil, foi comprovada por estudos empíricos extensos. E está presente também em documento da BHTRANS, que aponta que o aumento da oferta estimula mais carros. Uma pesquisa do ITDP mostra dezenas de demolições de viadutos e elevados, mundo afora, que resultaram na melhoria do trânsito.
As obras para “conter enchentes” são outro engodo. Desde que essa cidade foi inaugurada, a cada administração foram feitas obras que visavam reduzir enchentes, mas que resultaram no seu agravamento. Quer saber mais sobre isso, Prefeito? Basta ler o livro “Rios Invisíveis da Metrópole Mineira”, do geógrafo Alessandro Borsagli, que resenhei nesta coluna.
O problema está na lógica, inviável, do que se chama de progresso: com a impermeabilização do solo urbano e a canalização dos córregos, as águas chegam cada vez mais rapidamente aos fundos de vale, gerando as tragédias.
O caminho é outro, Prefeito: deslocar moradias e usos constantes de áreas de inundação, criando parques ciliares; renaturalizar córregos; devolver a permeabilidade ao solo urbano. Reter a água no solo, em um sistema distribuído de pequenas barragens que conformam espaços públicos de uso temporário.
A Prefeitura de Belo Horizonte já foi referência em gestão de águas urbanas no início do projeto DRENURBS, concebido na gestão de Célio de Castro. Parques como o Primeiro de Maio e o Nossa Senhora da Piedade, na região Norte, são fruto dessa política ambiental bem sucedida. Vale muito visitá-los.
Infelizmente, do DRENURBS a PBH manteve somente o nome, passando a utilizá-lo em obras contrárias a seus princípios. Essa afirmação não é minha, mas de um ambientalista conhecido, fundador do projeto Manuelzão, o médico Apolo Heringer – que pede a você, Kalil, em um post recente, que mude a maneira de tratar as enchentes em BH e “pare de jogar dinheiro fora”.
A atual gestão vai recuperar as boas práticas ambientais urbanas ou vai seguir na toada do concreto, asfalto e agrado a empreiteiras? O que o partido do vice-prefeito, que tem em seus quadros ambientalistas sérios, tem a dizer sobre isso? Vai investir de fato na melhoria da mobilidade (transporte coletivo e ciclovias) ou vai continuar a construir viadutos que, quando não caem, apenas servem para conectar engarrafamentos e destruir a vida no entorno?
Em suma, Prefeito, a questão parece ser se a gestão vai aprender com os erros das anteriores ou se vai seguir governando para poucos e produzindo tragédias. Que tal debatermos essas questões em um encontro público?