Tenho, repetidas vezes, denunciado aqui a desigualdade em nosso país: chaga maior e causa de todo tipo de miséria social. Vai dos inúmeros pobres, pedintes de rua ou vendedores de bugigangas nos sinais de trânsito até a violência sem peias nas favelas do Rio ou de Fortaleza. Isso para apontar os dois lugares hoje mais em evidência no panorama de mortes, balas perdidas e vidas ceifadas ainda na infância.
Num único dia da semana que passou vivenciei os extremos dessa condição de nossa vida cotidiana.
À noite, nos telejornais, a cena revoltante de uma jovem de 28 anos sendo algemada e retirada de um posto de saúde do SUS em Goiás. Qual seu crime? Ter-se queixado da demora do atendimento médico, quando ela se retorcia de dor por causa de uma pedra nos rins. Sei o que é essa dor. Sei avaliá-la. Tive três filhos em partos induzidos muitos anos atrás. Teimosia minha. Não aceitava fazer cesariana. Todo o sofrimento durante o parto valia a pena! Logo, logo deixava o hospital. Quando se tem um filho – e perfeito (a primeira coisa que eu fazia ao vê-los era contar os dedos da mão e dos pés, sei lá por qual razão...) – esquece-se facilmente a dor que se foi.
Ao contrário disso, tive uma única experiência de pedra nos rins. Pensei que fosse enlouquecer de dor. Eu me retorcia e chorava até expelir a pedra. Por isso, entendi de pronto o sofrimento da jovem em Goiás. E me revoltei.
À tarde, naquele mesmo dia, confortavelmente assentada na sala de espera de um consultório, cercada de outras mulheres ansiosas, esperava pela realização de uma tomossíntese, o mais novo e potente meio de se fazer uma mamografia, capaz de avaliar sei lá quantas vezes mais a possibilidade da detecção de um câncer de mama. Em volta de mim, uma moça de 46 anos, recentemente operada de câncer na mama; doutro lado, uma senhora mais idosa, que se percebia estar usando um turbante para ocultar a queda de cabelos, certamente devido a uma quimioterapia. Outras muitas mais, todas nós escondendo nossa aflição. Aflição que ainda sinto mesmo após 23 anos de sobrevida a um câncer de mama e a uma quadrantectomia, realizada quando eu tinha 51 anos. Tive de fazer radioterapia apenas. Apenas?!
Todas nós ali presentes na sala de espera tínhamos – era visível – diferentes origens sociais, cada qual de nós, porém, munida da carteirinha de seu convênio de saúde complementar. Portanto, todas protegidas de sermos espancadas em um pronto-atendimento qualquer do SUS no Brasil.
Todos os convênios, inclusive o meu, foram rejeitados como forma de pagamento do exame. Diferentes convênios e diferentes possibilidades de pagar, ali na hora, o exame pretendido.
Procurei saber o que acontecia. Simplesmente, por omissão, o governo federal, mais precisamente, a Secretaria de Saúde Complementar, ainda não codificou o procedimento da tomossíntese e, por isso, tivemos todas de pagar o exame. Isto é, eu paguei. Não sei se as outras puderam fazê-lo.
Fica aí meu registro indignado!