Em 1999 ganhei da autora, com comovente dedicatória, um exemplar de seu livro originário de tese de doutoramento no Iuperj: “Para Sandra, que conhece a magia de Diadorim e a valentia de Medeiro Vaz e para Thales, que tem a generosidade de Joca Ramiro, celebrando nossa amizade. Com carinho, Heloisa”.
Confesso que não o tinha lido até hoje. Agora, em 2017, desorientada diante da situação do Brasil, peguei-o para ler. Pensava em distrair minha cabeça, mas o que encontrei foi a exata história que vivi no Partido dos Trabalhadores, a partir de sua construção no ano de 1979.
O capítulo dois: “Tudo Política e Potentes Chefias: A Invenção da Política” foi um soco em meu estômago, já embrulhado diante do “redemunho” que se instalou em nosso país: para uns, desde o impeachment de Dilma; para mim, desde que ela mesma foi escolhida por Lula para sucedê-lo, lá atrás, em 2009.
A valentia de Medeiro Vaz, Heloisa, não se encarnou em mim: encarnou-se naquele tempo de fundação nas muitas gentes que se juntaram para fundar um projeto novo de Brasil em que, “de baixo para cima”, os que nunca haviam sido senão montaria de potentes chefes resolveram botar ordem nestes muitos sertões. A ordem da Justiça para os explorados e os oprimidos.
Nosso problema, prima, foi que todos acreditamos por muito tempo (no meu caso, foram 31 anos) que nosso chefe teria a generosidade de Joca Ramiro e nos conduziria a todos com serenidade, paciência e sem nenhuma arrogância. E muito menos que pensava em enriquecer. Quando demos por nós, quem estávamos seguindo era o Zé Bebelo, todo fingido de igual que todos, falando em nome dos muitos sertões e juntando a jagunçada em volta dele, para levar tudo para a encruzilhada, prometendo mundos e fundos pros mais pobres, mas fazendo mesmo a vontade dos grandes, dos que já de um tudo tinham. “Com efeito, foi porque estava convencido de que havia uma estreita interligação entre o sentido de suas ambições privadas e a realização do bem-estar de toda uma comunidade que Zé Bebelo se empenhou tanto para construir um modelo de centralização político-administrativa baseado na predominância de relações orientadas pelo universo restrito dos interesses e das preocupações individuais” (p. 146); “Trepava de ser o mais honesto de todos, ou o mais danado, no tremeluz, conforme as quantas” (apud, p. 147). Riobaldo, este sim, tal qual meu marido, foi assuntando, assuntando, esperando a hora de avisar a seu amor o perigo que lá vinha vindo, escondido do Demo, na tocaia do destino.
Eu, Diadorim que tive de ser, não por vontade de Joca Ramiro, mas dos muitos que seguraram comigo meu segredo nas jornadas de 1982, quando fingindo de homem, pratiquei a guerra dos homens em arena pública, com a paixão que só as mulheres sabem ter. De peito aberto, embora escondido para nunca me verem e saberem quem é mesmo que eu era.
Essa é minha magia, Heloisa – a magia de Diadorim –, porque dessa sei eu bem e sofro até hoje. E sofrerei pelos dias que virão. Amém.
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