Não há, creio, quem não tenha passado pela vida sem alguma grande frustração. Eu gostaria de ter escrito a biografia de Elisinha Gonçalves, que veio a ser esposa do embaixador Walther Moreira Salles. Elisinha era mineira, nasceu em Santa Luzia. Quando para lá mudei, em 1953, seguindo meu pai em seu ofício de juiz de direito, ela já estava casada, havia pouco, com o famoso banqueiro. Era um mito. Bela, elegante e muito ilustrada – como, finalmente, pude constatar –, causava furor. As páginas de “O Cruzeiro”, que eu devorava nos degraus de nossa casa na rua Direita, traziam-na estampada, com frequência, em suas reportagens. No lusco-fusco das lembranças, nem mesmo sei dizer se cheguei a vê-la pessoalmente ou saber quem era um menino que morava na casa de seus parentes... Nunca consegui encontrar fontes para escrever sobre ela. Mas, agora, sinto-me reconfortada.
Conduzida pela direção de seu filho, João Moreira Salles, pude assistir ao delicado “patchwork” cinematográfico que ele empreendeu em homenagem a sua mãe: “No Intenso Agora”. Muitos anos passados da trágica morte de Elisinha, seu filho logrou, agora, lidar com essa dor de forma... intensa. E o conforto por meu fracasso veio acompanhado de um alumbramento indizível. É que assisti ao documentário no Instituto Moreira Salles, localizado na belíssima mansão que servia de residência da família, no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro. Que, aliás, serve de cenário para algumas cenas do filme. Já ouvira falar dessa edificação em “Santiago”, também dirigido por João Moreira Salles, pela voz e pela emoção do mordomo argentino que havia prestado serviços à família por muitos anos. Por aqueles salões passaram banqueiros, empresários, políticos e artistas em banquetes e festas memoráveis. Hoje, esses mesmos salões acolhem uma magnífica exposição fotográfica sobre os momentos mais conflitivos da história do Brasil no período republicano.
João parte das imagens que sua mãe gravara em uma viagem à China, em 1966, no início da Revolução Cultural – ocasião em que, no seu dizer, ela teria sido mais feliz –, para discutir o tormentoso dilema dos que, tendo gozado daquilo que a vida burguesa proporciona de bom e de melhor, se propõem a pensar, como diria Gonzaguinha, que “a vida devia ser bem melhor, e será”. Mas para todos.
Convido o leitor a assistir ao filme, sugerindo, desde logo, que venha a se inteirar, antes, dos acontecimentos que sacudiram o mundo no ano de 1968. Apenas antecipo que o espectador será tomado pelo arrebatamento dos que experimentam situações extremas e depois têm de se recolher ao insignificante dia a dia. Lembrei-me dos versos de René Charr, militante da Resistência francesa na Segunda Guerra Mundial, que, ao final dessa, lamenta a cadeira vazia onde antes se assentara a Liberdade. E, mais do que sentir, compreenderá, então, neste nosso mundo presente, tão marcado pela distopia, por que um rebelde estudante de Paris, em maio de 1968, em sua viagem rumo à utopia definitiva, pichou nas paredes: “por debaixo dos paralelepípedos, a praia”.
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